Se autoridades não agirem, morte de Adriano da Nóbrega repetirá “queima de arquivos” do caso Celso Daniel

A morte do ex-capitão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Adriano Magalhães da Nóbrega, que estava foragido da Justiça há quatorze meses, começa a levantar suspeitas. Isso porque crescem os comentários sobre uma possível “queima de arquivo”, tese que não deve ser desconsiderada, uma vez que o miliciano tinha conhecimento de fatos comprometedores acerca de autoridades.

Nóbrega serviu no 18º Batalhão da PM do Rio de Janeiro, juntamente com Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa fluminense (Alerj) e peça central do escândalo das “rachadinhas”, do qual também participou o ex-capitão.

Adriano sabia que o objetivo de seus agora inimigos – outrora aliados – não era vê-lo preso, o que poderia culminar em acordo de delação, mas morto, o que de fato acabou acontecendo. Tanto é assim, que o miliciano trocou de identidade e passou a usar barba.

A proximidade com Queiroz permitiu a Adriano emplacar a mãe e a ex-esposa no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, demitidas pelo agora senador no momento em que veio à tona a informação de que o esquema criminoso das “rachadinhas” estava sob investigação. Adriano, que durante muito tempo usou suas contas bancárias para abastecer o caixa de Queiroz, ficava com parte dos salários da mãe, Raimunda Veras Magalhães, e da ex-esposa, Danielle da Nóbrega.

Na última fase da investigação que tem Flávio Bolsonaro como algo, o MP do Rio de Janeiro apresentou à Justiça diálogos trocados através do WhatsApp entre Adriano e Danielle, em que o miliciano afirmou que também se beneficiava do esquema das “rachadinhas”. Essa afirmação se deu quando Danielle reclamou da exoneração.

O nome de Adriano da Nóbrega consta da investigação que apura o crime que culminou com as mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018. Marielle era filiada ao PSOL, legenda que jamais contou com o apreço da família Bolsonaro. Por outro lado, Flávio Bolsonaro, enquanto deputado estadual, homenageou Adriano com a Medalha Tiradentes, maior honraria do Legislativo do Rio de Janeiro, em 2005, quando o então policial estava preso sob a acusação de homicídio.

O presidente Jair Bolsonaro, à época deputado federal, discursou no plenário da Câmara dos Deputados, em 2005, em defesa de Adriano da Nóbrega. “Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente [Adriano], acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele [Adriano] sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar”, disse Bolsonaro.

Coincidência ou não, Adriano da Nóbrega, como já noticiamos em diversas matérias anteriores, chefiava a milícia da comunidade de Rio das Pedras, na Zona Oeste carioca, onde, nas eleições de 2018 o então candidato ao Senado Flávio Bolsonaro venceu em 74 das 76 seções eleitorais.

Fabrício Queiroz, o pivô das “rachadinhas”, é amigo de longa data de Jair Bolsonaro, de quem teria tomado empréstimo no valor de R$ 40 mil. Queiroz, segundo o Coaf, depositou R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro, a primeira-dama do País, que até agora não se pronunciou sobre o assunto. Flávio Bolsonaro empregou em seu gabinete na Alerj a mãe e a ex-mulher de Adriano da Nóbrega, que ficava com parte do salário de ambas e abasteceu o caixa de Queiroz.

Flávio, por sua vez, é acusado de lavar dinheiro através da compra de imóveis e de uma franquia de chocolates, crimes que a Polícia Federal não consegue enxergar, talvez porque Sérgio Moro não tenha olhos para tal. O ministro da Justiça preferiu não incluir o nome de Adriano na lista de procurados, possivelmente porque seu projeto de poder não permite visões mais arriscadas, mas o secretário de Segurança Pública da Bahia disse que priorizou o caso por ser de “relevância nacional”.

Há nessa epopeia uma teia de relações suspeitas que precisa ser destrinchada antes que a “queima de arquivos” avance, a exemplo do que ocorreu no caso do petista Celso Daniel, assassinado brutalmente porque sabia demais, crime cujas gravações telefônicas foram divulgadas com exclusividade pelo editor do UCHO.INFO. Quem conhece os subterrâneos do poder no Brasil sabe do que os atores são capazes quando é preciso defender interesses e manter a farsa.