Ao liberar Sérgio Camargo na presidência da Fundação Palmares, STJ anuncia o “vale tudo” no País

Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro João Otávio de Noronha, acolheu pedido da Advocacia Geral da União e derrubou a liminar que suspendeu a nomeação do jornalista Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Palmares. Na do magistrado, os “eventuais excessos” de Camargo nas redes sociais “não autorizam juízo de valor acerca de seus valores éticos e morais ou mesmo de sua competência profissional”.

“Não vejo como deixar de reconhecer que a decisão atacada, a pretexto de fiscalizar a legalidade do ato administrativo, interferiu, de forma indevida, nos critérios eminentemente discricionários da nomeação, causando entraves ao exercício de atividade inerente ao Poder Executivo”, escreveu o presidente do STJ na decisão.

O caso chegou ao STJ após a União recorrer da decisão liminar do desembargador do Fernando Braga Damasceno, do Tribunal Regional da 5ª Região, que manteve suspensa a nomeação de Camargo. Em decisão de primeira instância, o juiz federal Emanuel José Matias Guerra, substituto da 18ª Vara Federal de Sobral (CE), destacou que a indicação de Sérgio Camargo ao cargo “contraria frontalmente os motivos” que levaram à criação do da Fundação Palmares.

Indicado para presidir a Fundação pelo então secretário de Cultura Roberto Alvim, apeado do cargo após divulgar vídeo de conteúdo nazista, Camargo escreveu nas redes sociais, em setembro passado, que no Brasil existe um racismo “Nutella”, ao contrário dos Estados Unidos, onde, segundo ele, existiria um racismo “real”. “A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”, afirmou. Um mês antes, em agosto, Camargo escreveu que a escravidão foi “terrível, mas benéfica para os descendentes” porque negros viveriam em condições melhores no Brasil do que na África.

Confirmando sua essência racista e intolerante, o jornalista escreveu que “merece estátua, medalha e retrato em cédula o primeiro branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo” e sugeriu que o movimento negro precisa ser “extinto”.

Nas contas que mantém nas redes sociais, Sérgio Camargo defendeu o fim do “Dia da Consciência Negra” e criticou manifestações culturais ligadas à população negra. Sobre a extinção do feriado, o dirigente alegou “incalculáveis perdas à economia do país”, não sem antes afirmar que Zumbi dos Palmares é “um falso herói dos negros”.

Para o presidente do STJ, o fato de Camargo “ter se excedido” nas manifestações “não autoriza juízo de valor acerca de seus valores éticos e morais ou mesmo de sua competência profissional”. Em sua decisão, Noronha ressaltou: “Sobretudo quando se sabe das particularidades que permeiam as manifestações no citado meio virtual, território de fácil acesso e tido como aparentemente livre, o qual, por isso mesmo, acaba por estimular eventuais excessos dos que ali se confrontam”, assinalou ainda o magistrado.

O magistrado pode pensar o que bem entender, desde que o faça como reles cidadão, mas como presidente de uma das instâncias superiores da Justiça precisa ater-se À lei e ao bom-senso, pois sua decisão é tão absurda quanto autoriza o maior traficante de entorpecentes a dirigir uma clínica de recuperação de drogados.

O Ministério Público, que deveria defender a sociedade desses açoites, e a Justiça, que tem a obrigação de aplicar a lei em sua inteireza e sem direito a bamboleios interpretativos, preferem avançar nos campos do silêncio e do devaneio, colocando a sociedade à sombra de decisões absurdas e populistas.

Ao tomar decisões que atentam contra a democracia e o Estado de Direito, a Justiça passa à opinião pública o perigoso recado de que em vigência está o “vale tudo”, sem ter de se preocupar com eventuais punições. Algo parecido com o alerta feito por Pedro Aleixo ao então presidente Arthur da Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968, por ocasião da decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5). “O problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”, disse Aleixo, outrora-vice-presidente da República.

Em outras palavras, decisões absurdas da Justiça, como a que liberou a posse de Sérgio Camargo na presidência da Fundação Palmares, passam a falsa sensação de o cidadão tudo pode, caso seja contrariado. Aliás, esse é o comportamento do presidente Jair Bolsonaro, que ofende gratuitamente aquele que têm opiniões divergentes, mas quando interpelado pela Justiça alega razoes políticas para seus destemperos verborrágicos. E nesse cenário resta saber quem é mais covarde: o presidente ou a Justiça.