(*) Carlos Brickmann
Foi mais ou menos nessa mesma época do ano, a época em que São Paulo fica alagada. Só que a data era 1966, ou 1967 – faz mais de 50 anos. Henry Maksoud, notável engenheiro especializado em Hidráulica, contou direitinho ao Jornal da Tarde por que um fenômeno natural e previsível como chuvas mais fortes sempre pegavam a cidade de surpresa e a deixavam inundada. Houve erros que deixaram indefesa a maior cidade da América do Sul. Mas 50 anos depois houve tempo para corrigi-los. E corrigidos não foram.
Mas vamos esquecer coisas mais complicadas como fazer com que parte do solo da cidade, impermeável, deixe de absorver a água. Vamos ao básico: aquele trabalho básico de cuidar da casa, de manter bueiros limpos, rios sem detritos, áreas de bombeamento funcionando. Pois bem: nunca se gastou tão pouco em prevenção de desastres naturais. Economizou-se muito nas várias administrações, do petista Fernando Haddad, do tucano João Doria, de seu sucessor, o também tucano Bruno Covas. O dinheiro que não se gastou no que deveria ser gasto acaba de perder-se, diluído nas águas das enchentes.
Não é questão paulistana: parece que largar mão do que deveria ser feito é mania nacional. Em 2019, o Governo Federal previa gastar R$ 306,2 milhões em projetos de contenção de inundações. Investiu R$ 99 milhões. Em 2012, em valores corrigidos pela inflação, a verba era de R$ 4,2 bilhões.
Nem precisa chover muito: de promover as enchentes cuida o Governo.
Festival de recordes
Duro é ver e ouvir, durante as enchentes, as explicações das autoridades incompetentes. “Em um dia, choveu o previsto para três meses”, “as chuvas bateram o recorde de 1742 e atingiram o maior volume desde que começaram as medições”, “graças ao trabalho de excelência realizado pelo Governo, os prejuízos foram muito menores do que poderiam ter sido”.
Meninos, eu vi
Quando autoridades de outras cidades se dão ao desfrute de chutar essas explicações, vá lá. Mas ouvir as autoridades de sua cidade, onde você assiste ao que acontece, tem um sabor especial. Num determinado dia, este repórter verificou que, no maior viaduto de São Paulo, todas as bocas de lobo estavam entupidas – e com requintes: havia tanta terra em cada bueiro que ali nascia mato em abundância. Quem disse que autoridades não se preocupam com o papel da vegetação na prevenção de enchentes? Mato no bueiro, quem diria!
Choro livre
Muitas queixas porque os Estados Unidos retiraram o Brasil da lista de países economicamente emergentes – o que reduz benefícios, torna mais complexas as negociações, dificulta a concessão de tarifas especiais. E vem a frase clássica: e isso que Bolsonaro só faltou se naturalizar americano para votar em Trump!
Acontece que o Brasil pediu por muitos anos a inclusão na OCDE, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o clube dos países mais ricos do mundo. E não tem sentido participar ao mesmo tempo de um grupo de países especialmente beneficiados por ser pobres e de outro que inclui as nações mais ricas e desenvolvidas. Se optar pela OCDE é ou não bom negócio, esta é uma decisão de Governo. Mas ficar com os dois, aí já não é possível.
Sonho livre
O Orçamento que Trump apresentou ao Congresso prevê crescimento de 3,1% do PIB no quarto trimestre do ano fiscal. Nestes anos Trump, os EUA vêm crescendo constantemente, reduziram a taxa de desemprego a 3,5%, que quase equivale a pleno emprego, mantêm a inflação baixa (e, queixa-se o presidente, seria possível crescer um pouco mais, se o Federal Reserve Bank fosse menos conservador e liberasse a queda mais rápida dos juros). Se esta tendência da economia americana se mantiver, será difícil barrar a reeleição de Trump. Pleno emprego e crescimento econômico costumam render votos.
Bateu, pagou
O economista Luiz Carlos Bresser Pereira, várias vezes ministro nos governos de José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, é alvo de uma ação que chega perto de um milhão de reais. Os fatos: em 1999, ministro da Ciência e Tecnologia de Fernando Henrique, se irritou quando o juiz federal Antônio Souza Prudente, em medida liminar, impediu que a soja transgênica fosse legalmente plantada no país antes de estudos de impacto ambiental. E soltou o verbo: disse que o juiz era “irresponsável”, que a decisão era uma “tolice” que “depunha contra o Judiciário”.
O juiz processou a União por danos morais. Ganhou R$ 501.982,22. A Advocacia Geral da União entrou com ação regressiva contra Bresser, cobrando dele, o autor das frases, o reembolso das despesas da União. O caso está no STJ, e Bresser é cobrado a ressarcir a União, com juros, correção, etc. Segundo o ótimo portal jurídico gaúcho Espaço Vital, Bresser pode interpor agravo regimental no STJ e tentar um recurso extraordinário ao Supremo. Mas o risco de pagar é alto.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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