(*) Maria Lucia Victor Barbosa
O Estado Democrático de Direito onde existem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para que não haja concentração de poder em apenas um deles, surgiu ao longo do tempo através das obras de grandes pensadores como Montesquieu e da evolução do Liberalismo. Desse modo, prevalece nas sociedades onde há o Estado Democrático de Direito a democracia com suas liberdades inerentes e não o despotismo, presente especialmente em sistemas totalitários como o comunismo, o nazismo e o fascismo.
No momento, certos acontecimentos nos levam a indagar como funcionam os Poderes Constituídos em nosso país. Comecemos por perguntar: Temos uma democracia? Apesar de que nesse mundo nada é perfeito, devemos responder que, sim. Afinal, temos pluralidade partidária, eleições livres, liberdade de pensamento (em que pese o detestável politicamente correto), liberdade da mídia, liberdade de reunião. Entretanto, existem falhas graves em nossa democracia.
Só para citar um exemplo, temos a esquisita fórmula matemática do quociente eleitoral, através da qual um deputado federal, estadual ou vereador que obtenha um grande de número de votos arrasta consigo vários candidatos que, assim, ascendem ao Legislativo sem voto e, portanto, sem legitimidade.
Além disso, se nossos Poderes Constituídos sempre estiveram longe da ética e da eficiência necessárias, agora estão sofrendo mutações para pior. O Supremo Tribunal Federal deu em legislar, intrometendo-se no Legislativo; acentua a parcialidade e a demora nos julgamentos (exceto quando existem interesses mútuos em jogo); usa a lei não para os honestos em causas justas, mas para os bandidos (exemplo, fim da prisão em segunda instância). Por essa e por outras o STF tornou-se um Poder tão detestado quando o Legislativo que está funcionando como uma espécie de parlamentarismo que avança sobre o Executivo no intuito de inviabilizá-lo.
O Congresso Nacional tem legislado em causa própria e contra o povo; desfigurou as necessárias reformas do Executivo; estraçalhou o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro; inventou a Lei do Abuso de Autoridade; juntamente com o STF não admite a prisão em segunda instância e quer fazer surgir um juiz de garantias junto com o juiz de primeira instância. Portanto, colaborando com a violência os legisladores indicam que é proibido prender, especialmente os de colarinho branco.
Tais atos antidemocráticos não param aí. A toque de caixa foi aprovado o Fundo Eleitoral. Serão bilhões tirados do bolso do povo através dos impostos para custear as eleições de suas excelências e, quem sabe, outros custeios mais.
Tem mais, o dinheiro do Orçamento que iria para a Saúde, Educação e outras necessidades sociais corre o risco de servir para aumentar o estrondoso lucro dos parlamentares, que o gastarão nos seus currais eleitorais e, sabe Deus, em que mais. Isso porque, através do Orçamento Impositivo, o Congresso está rejeitando o veto do presidente no sentido de reduzir a parcela que vai para as emendas parlamentares que possibilitam a barganha. Suas excelências são insaciáveis e não se satisfazem com 15 bilhões, querem 30 bilhões. Sobra, então, basicamente 3% da receita livre do governo para tocar seus projetos. Na prática, o Congresso está inviabilizando o Executivo. Afinal, como disse o deputado federal e sindicalista Paulinho, da Força, “não podemos deixar Bolsonaro fazer coisa nenhuma, senão ele se elege para um segundo mandato”.
Em comentário particular o general Heleno disse: “Não podemos deixar esses caras chantagearem a gente o tempo todo.”
Essa verdade causou grande melindre nos presidentes da Câmara e do Senado e o Centrão avisou: “a partir de agora o governo que arque com as consequências dos seus atos porque propostas enviadas pelo Planalto serão derrubadas”.
Portanto, somos todos reféns das chantagens e abusos do Congresso Nacional. Consentimos com nosso voto a ascensão de pelo menos parte dos que tomam decisões em nosso nome, mas vivemos na dependência de sua ganância e irresponsabilidade para com o país. Parece que o Legislativo está inventando uma nova modalidade de poder: o parlamentarismo despótico. Isso não pode ser permitido porque, nesse caso, nossa democracia será uma completa farsa.
Não se trata de negar a importância dos Poderes Constituídos, eles são essenciais, o problema está na distorção que deles fazem seus membros. Nesse sentido é que a sociedade deve reagir. Afinal, “o poder emana do povo e em seu nome será exercido”.
(*) Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, professora e escritora, autora de, entre outros livros, “Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto – a ética da malandragem” e “América Latina – em busca do paraíso perdido”.
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