Boatos envolvendo a primeira-dama são torpes, assim como os ataques às jornalistas da Folha e do Estadão

(*) Ucho Haddad

Posicionei-me firme e contundentemente diante dos ataques sórdidos e covardes do presidente Jair Bolsonaro às jornalistas Patrícia Campos Mello, da “Folha”, e Vera Magalhães, do “Estadão”, que no exercício do jornalismo ético e responsável contrariaram os interesses do chefe do Executivo. Ser jornalista no Brasil nunca foi tarefa fácil. Nesses tempos de fascismo tupiniquim a situação piorou sobremaneira.

Acreditando ter sido eleito para apropriar-se do País, não para decidir os destinos da nação, Jair Bolsonaro não aceita ser contrariado. E quando isso acontece, o baixo nível que sempre exibiu em sua vida pública – e continua a exibir – desce ainda mais. Cenário este que sugere estar o Brasil a caminhar a passos largos na direção da ruptura democrática. Desprovido de massa cinzenta capaz de concatenar ideias e formular respostas lógicas, embasadas e respeitosas, o presidente despeja sobre a opinião pública destampatórios típicos de um rufião.

Se reagi com indignação e náusea no caso dos ataques rasteiros às jornalistas, até porque rejeito comportamento de natureza chauvinista e que flerta com o totalitarismo, não posso posicionar-me de outra maneira diante da boataria envolvendo a primeira-dama.

A Terceira Lei de Newton trata do “Princípio da Ação e da Reação”, mas discordo da tese de que a postura de Bolsonaro no caso das jornalistas devesse ser rebatida com comentários toscos e chicaneiros que chegaram aos “trending topics” das redes sociais no domingo, 1º de março, apenas porque alguém viu uma oportunidade de colocar a primeira-dama no olho do furacão. Uma coisa é discordar diametralmente do presidente, outra é denegrir a honra e a imagem de uma mulher por causa de questões ideológicas que não lhe dizem respeito. Quem agiu dessa maneira igualou-se a Bolsonaro.

A vida de um casal e os efeitos colaterais do relacionamento competem apenas e tão somente a seus protagonistas, não cabendo a terceiros comentários e conclusões maldosas acerca de supostos episódios que fogem ao enredo. No caso de isso ter ocorrido, os envolvidos que tratem de resolver o problema, sem que o assunto ganhe publicidade desmedida e seja alvo de comentários lupanarescos. Afinal, a vida conjugal do presidente não é assunto de Estado, mesmo que ele assim queira.

Há muito afirmo que Jair Bolsonaro é desprovido de competência e estofo para ocupar a Presidência da República, cargo que requer postura, conhecimento, parcimônia e respeito ao próximo. Ainda em cima do palanque eleitoral, Bolsonaro vai ao êxtase quando sua patuleia o aplaude a reboque de desvarios discursivos. Quando criticado, seus apoiadores reagem afirmando que votaram no atual presidente da República para que ele aja e fale da maneira como vem fazendo. Em outras palavras, sentem-se felizes com o fato de o Brasil ter se transformado em uma “casa de Noca”.

Não sou adepto da tese “chumbo trocado não dói”, mas o presidente talvez tenha experimentado pela primeira vez um pouco do próprio veneno, da maledicência pestilenta que regurgita diuturnamente sobre aqueles que o contrariam. Se isso terá algum resultado positivo é difícil e prematuro afirmar, mas espero que desse episódio deprimente Bolsonaro consiga tirar ao menos uma lição. Para quem invoca o nome de Cristo a torto e a direito, o presidente, ao dirigir a palavra aos adversários ideológicos e à imprensa, tem se mostrado um fiel preposto de lúcifer.

Quem acompanha o meu trabalho conhece a firmeza dos comentários que faço na seara política, mas sabe que condeno o revanchismo em qualquer situação. Ao afirmar que Bolsonaro desrespeita a liturgia do cargo de presidente da República nas situações mais comezinhas, estou a dizer que ele deveria procurar conter-se para honrar a Presidência como instituição, além de dedicar ao ser humano, a começar por seus adversários, o respeito que cada um merece. E nesse bojo dos que merecem respeito por parte do presidente está o cidadão Jair Bolsonaro, algo que ele não conseguiu compreender até o momento. Talvez jamais compreenda, pois fez sua vida como político em cima desse circo mambembe e degradante.

Contudo, sem ter mostrado até agora a que veio, o presidente tem como tábua de salvação sua descontrolada oratória, que muitas vezes exige dos palacianos de plantão alguns “panos quentes”. Isso significa que o bonchinche presidencial dominará a cena política até o final de 2022, caso até lá algo não aconteça para interromper esse cardápio do absurdo.

Enquanto anestesia a consciência de parte da opinião pública com citações bíblicas, como se fosse alguém que carrega o éfode de uma aliança para a derradeira salvação do País, Bolsonaro avança sobre seus adversários com a virulência e o destempero de um discurso intimidador. Para mim, há décadas no jornalismo político, o jeito chulo e estúpido de ser do presidente não me assusta nem é novidade. Trata-se de um desqualificado que, no embalo do populismo barato, continua a acreditar que foi escolhido por Deus para governar o Brasil.

No contraponto da ópera bufa que movimentou o domingo, o ex-ministro que surgiu como coadjuvante no landuá preferiu se manifestar publicamente, arrastando para sua explicação parte da imprensa. Cabe-me lembrar que nenhum veículo de comunicação fez qualquer afirmação acerca do que se comentou maldosamente nas redes sociais. Há alguns dias, noticiou-se que causava espécie o fato de Bolsonaro, que tanto defende o tradicionalismo familiar, ter deixado a primeira-dama para trás em algumas de suas viagens particulares. E que do nada, sem explicação convincente, decidiu tê-la por perto, na outrora biblioteca do Palácio do Planalto. Se depois disso alguém tirou conclusões com doses extras de maledicência, que cada um assuma a responsabilidade que lhe cabe.

Em vez de unir e pacificar o País, Bolsonaro insiste, desde a corrida presidencial, em dividir a nação por meio da cultura do ódio e do revanchismo ideológico. Isso refletiu nos comentários que alcançaram as redes sociais na esteira do pantim envolvendo a primeira-dama, algo que lembrou um daqueles folclóricos boquejos que de maneira quase recorrente tomam a recepção do bataclã da esquina.

Continuo radicalmente contra o ataque de Bolsonaro à jornalista Patrícia Campos Mello. Continuo radicalmente contra o ataque de Bolsonaro à jornalista Vera Magalhães. Sou radicalmente contra as insinuações envolvendo a primeira-dama, mesmo sendo crítico do atual governo. Respeito é bom e todo mundo gosta, mas só o presidente da República ainda não sabe disso! Por sorte não sou da mesma laia de Bolsonaro.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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