Coronavírus: enquanto o governo “toca tambores”, saúde pública é relapsa no atendimento de casos suspeitos

 
O governo federal precisa afinar o discurso sobre o surto do novo coronavírus, antes que o descrédito seja incontornável. Alguns jornalistas e comentaristas estão a elogiar a postura do Ministério da Saúde diante da epidemia que começou em Wuhan, na China, e migrou para mais de 60 países, em todos os continentes, mas é preciso sair a campo para realmente constatar a atuação dos profissionais da saúde no caso em questão.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse recentemente que o primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil não passava de uma simples “gripe”, ocasião em que aproveitou para criticar a decisão do governo chinês de construir em tempo recorde dois hospitais com mais de 2 mil leitos para abrigar pessoas suspeitas de infecção pelo novo coronavírus. Para Mandetta, esse procedimento não resolve o problema da doença que, mesmo tendo baixo índice de letalidade, registra rápido contágio, como já provado, e coloca em risco os idosos.

Por outro lado, o secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Wanderson Oliveira, critica duramente a demora da Organização Mundial de Saúde em reconhecer a pandemia do novo coronavírus. Em áudio enviado a autoridades, Oliveira afirma que o órgão “peca em não dizer de forma franca que o vírus se espalhou e que não é possível contê-lo”. “Na nossa avaliação, esta já é uma pandemia, ou seja, já temos caso e transmissão local em todos os continentes”, ressaltou o secretário na mensagem.

O status de pandemia, se decretado pela OMS, mudaria o padrão de combate e enfrentamento do Covid-19. Se o governo brasileiro tem esse entendimento e pretende evitar mortes em grupos de risco, que determine a imediata mudança dos padrões de atendimento nos hospitais públicos, que, vale ressaltar, é no mínimo decepcionante.

No momento em que o sequenciamento dos genomas mostrou que o vírus que infectou o paciente do primeiro caso confirmado da doença no Brasil difere do que atingiu o segundo paciente, ambos vindos da região Norte da Itália, é porque o causador da Covid-19 está há muito mais tempo no país europeu do que se imagina.

Em 30 de dezembro, o médico chinês Li Wenliang enviou mensagem aos colegas alertando sobre possível surto de doença respiratória com sintomas semelhantes aos da Síndrome Respiratória Aguda Grave, (SARs-CoV), que matou mais de 700 pessoas no início dos anos 2000. Oftalmologista, Wenliang morreu em 6 de fevereiro passado, no Hospital Central de Wuhan, vítima da doença para a qual ele alertou.

O jornalista chinês Chen Qiushi está desaparecido desde 6 de fevereiro, quando começou o profissional de imprensa passou a publicar notícias sobre o novo coronavírus no gigante asiático.

 
O fato de as notícias sobre os primeiros casos do novo coronavírus na China terem surgido no final de dezembro não significa que o vírus não possa ter migrado para outros países antes disso. Afinal, a estrutura genética do vírus não muda em velocidade meteórica, ou seja, as mutações constatadas pelas pesquisadoras brasileiras nos vírus relacionados aos dois casos confirmados no País ocorreram muito tempo antes do prazo estabelecido pelo Ministério da Saúde como linha de corte para infecção.

Ao UCHO.INFO, brasileiros que estiveram em Milão, capital da Lombardia, entre o final de dezembro e meados de janeiro, relataram que na ocasião era grande o número de pessoas circulando pela cidade italiana portando máscaras cirúrgicas, em especial turistas de origem asiática. Em Milão, esses turistas brasileiros apresentaram sintomas típicos de gripe, mas como as notícias sobre o novo coronavírus estavam circunscritas à China, acreditaram que se tratava de reflexo do rigoroso inverno europeu.

De volta ao Brasil, esses turistas mantiveram contato permanente com familiares, alguns dos quais apresentaram sintomas semelhantes aos informados pelo Ministério da Saúde como sendo da Covid-19: febre alta, tosse, coriza, dificuldade respiratória, dores musculares, cefaleia, fadiga, secreção nas vias aéreas e diarreia. Além disso, no Brasil os turistas novamente apresentaram sintomas semelhantes ao da doença causada pelo novo coronavírus.

No último sábado (29), um dos familiares dos turistas que viajaram a Milão, preocupado com o agravamento do quadro de saúde, dirigiu-se ao Hospital São Paulo, na capital paulista. Após ter relatado detalhadamente o que está compilado nesta matéria, foi informado de que seu quadro de saúde não se enquadra no padrão estabelecido pelo Ministério da Saúde.

À sombra de atendimento questionável, os médicos, que limitaram-se a medir a pressão arterial e a temperatura da paciente, mesmo informados do uso de antitérmicos, sequer realizaram algum exame para confirmar as afirmações que destoam da realidade.

O UCHO.INFO, que acompanhou a paciente ao hospital, não é especialista em jornalismo médico, mas pauta seu trabalho na verdade dos fatos, na lógica e no bom-senso. Médicos italianos já afirmam que a mutação genética do novo coronavírus confirma que o causador da Covid-19 está no continente europeu há muito mais tempo. O que explica o fato de todos os continentes terem se transformado em plataformas de transmissão do vírus. Isso significa também que os casos recepcionados nos hospitais brasileiros deveriam ter melhor atenção por parte dos profissionais de saúde.

Voltando ao Hospital São Paulo… Após um cenário de atendimento que remetia a filmes de ficção científica – máscaras cirúrgicas, aventais especiais, luvas de borracha – os médicos que participaram do atendimento (incluso um epidemiologista) surgiram sem os aparatos de proteção para informar que a paciente não era portadora do novo coronavírus. Como podem fazer uma afirmação dessas se, após relato minucioso e preocupante, sequer realizaram um só exame? Com a palavra, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira!