O jogo de interesses escusos por trás da greve de PMs do Ceará, que de forma criminosa se amotinaram

    Por trás da greve dos policiais militares do Ceará, seguida de motim, havia um emaranhado de interesses de muitas das pessoas que se envolveram na tentativa de solucionar o impasse que provocou quase 240 homicídios no estado nordestino durante a paralisação da categoria.

    Tão despreparado na área da segurança pública quanto na da legislação vigente, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, não perde uma só oportunidade de alavancar seu projeto político, que nasceu nos escaninhos da Operação Lava-Jato, quando, à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, desrespeitou acintosamente a legislação penal em nome do combate à corrupção. Também em nome do seu canhestro plano de chegar à Presidência da República.

    Os interesses de Sérgio Moro

    Moro, que finge viver uma lua de mel com o presidente Jair Bolsonaro, enviou ao Ceará a Força Nacional de Segurança com o objetivo de ajudar o governo local a controlar a onda de violência provocada pela ausência de policiais nas ruas. Com a situação fora de controle, foi preciso que Bolsonaro, na esteira da Garantia da Lei e da Ordem, autorizasse o envio de tropas das Forças Armadas para o Ceará, governando pelo petista Camilo Santana, responsável maior pela solução da crise na PM do estado.

    Em 24 de fevereiro, com a Força Nacional no Ceará, Moro não perdeu tempo e rumou para Fortaleza, onde tentou faturar a todo custo à sombra do caos. Na capital dos cearenses, o ministro disse que a situação da violência estava controlada, o que naquele momento não era a tradução da verdade.

    “O governo federal veio para serenar os ânimos, não para acirrar. Os policiais do país inteiro, não só do Ceará, são profissionais dedicados, que arriscam suas vidas, são profissionais que devem ser valorizados. É o momento de servir e proteger, acalmar os ânimos. Serenar é importante, temos que colocar a cabeça no lugar e pensar o que é preciso para que os policiais possam voltar a realizar o trabalho”, afirmou o ministro na ocasião.

    “Não é uma situação de absoluta desordem nas ruas. As pessoas estão circulando nas ruas. Não existem, por exemplo, saques, nem nada disso a estabelecimentos comerciais. Então, a situação está sob controle. Claro que dentro de um contexto relativamente difícil em que parte da polícia estadual está paralisada”, completou.

    Um dia após as declarações estapafúrdias de Sérgio Moro, o Ceará já contabilizava 170 homicídios em decorrência da greve dos policiais militares. Antes da paralisação da categoria, a média de homicídios no estado era de 8 casos por dia, mas com o movimento subiu para 28 casos.

    Com o encerramento do motim, Moro disse que o movimento era ilegal, mas que os policiais não deveriam ser tratados como criminosos. Que o ministro da Justiça ignora a legislação vigente no País todos sabem desde os tempos de Lava-Jato, mas esperava-se que ele tivesse doses rasas de bom-senso.

    “O governo federal vê com preocupação a paralisação, que é ilegal, da Polícia Militar do estado. Claro que o policial tem que ser valorizado, claro que o policial não pode ser tratado de maneira nenhuma como criminoso. O que ele quer é cumprir a lei e não violar a lei, mas de fato essa paralisação é ilegal, é proibida pela Constituição”, disse Moro.

    Ora, se a Constituição Federal em seu artigo 142, inciso IV, estabelece que “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”, aquele que se amotina em um quartel, fardado e armado, está a violar a lei máxima do País, portanto deve ser tratado como criminoso. Em qualquer país minimamente sério, os amotinados já estariam presos, sem direito a salário e aguardando processo de expulsão da corporação.

    Como Sérgio Moro está interessado na Presidência da República, pois sabe que Bolsonaro pode ter seu projeto de reeleição comprometido caso o escândalo das “rachadinhas” fermentar até 2022, o importante a essa altura dos acontecimentos é garantir os votos dessa gangue que instalou o terror no Ceará. Para levar adiante seu plano no estado nordestino, Moro contou com o apoio do secretário nacional de Segurança Pública, general da reserva Guilherme Theophilo, candidato do PSDB derrotado na eleição ao governo cearense. Ou seja, Theophilo é desafeto político de Camilo Santana, atual governador cearense.

     
    Os interesses de Jair Bolsonaro

    Theophilo, por sua vez, tem no guarda-chuva da Secretaria a Força Nacional de Segurança, comandada pelo coronel da Polícia Militar do Ceará, Aginaldo de Oliveira. Após o fim do motim, Aginaldo, que também desconhece o teor da Carta Magna, dirigiu-se aos amotinados para derramar elogios sobre os criminosos. “Vocês são gigantes, vocês são monstros, vocês são corajosos! Demonstraram isso ao longo desses 10, 11, 12 dias que estão aqui dentro desse quartel, em busca de melhoria da classe, e vão conseguir”, disse Aginaldo.

    Se o secretário nacional de Segurança Pública tivesse pulso, demitira imediatamente Aginaldo de Oliveira, mas não o faz porque o comandante da Força Nacional é casado com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), apoiadora ferrenha e de primeira hora de Bolsonaro. O enlace, ocorrido recentemente, teve Sérgio Moro como padrinho, com direito a discurso político do ministro durante a cerimônia.

    Aginaldo foi ao Ceará para fazer o mesmo que Moro, mas possivelmente defendendo os interesses do presidente da República, que por estar cercado de generais no Palácio do Planalto recorrerá ao apoio de militares de baixa patente em caso de necessidade extrema.

    Na política nenhuma declaração deve ser desprezada, pelo contrário. Aliás, todas devem ser preservadas para, em algum momento, formar um intrincado quebra-cabeças. Há dias, em meio aos efeitos colaterais de mais uma de suas absurdas declarações, Jair Bolsonaro disse que não renunciaria ao mandato nem daria dinheiro à imprensa. É importante ressaltar que a mídia em momento algum mencionou renúncia, mas, sim, o fato de o presidente, por cometer crimes de responsabilidade, correr o risco de um processo de impeachment.

    Nos bastidores, corre à “boca pequena” que a banda moderada do generalato palaciano está descontente com o comportamento de Bolsonaro, em especial com suas investidas contra a democracia e o Estado de Direito. Militares conscienciosos sequer cogitam carregar o fardo que os colegas de caserna carregaram – e carregam até hoje – por conta do golpe de 64 e da ditadura. Nesse grupo, o chefe do GSI, general da reserva Augusto Heleno, tornou-se voz isolada depois do ataque ao Congresso Nacional, mas conseguiu manter a confiança do presidente da República.

    Enquanto isso, o vice-presidente Hamilton Mourão, também general da reserva, surge em cena como voz da concórdia todas az vezes que Bolsonaro ultrapassa as fronteiras da coerência e do respeito à democracia. Mesmo assim, é preciso ouvir Mourão com os dois pés atrás, pois em diversas ocasiões ele adotou discurso semelhante ao de Bolsonaro, mas com uma maquiagem diferente.

    É possível que nesse cenário de recorrentes investidas contra o Estado de Direito e ameaças de ruptura democrática os generais tenham, em algum momento, comentado sobre a possibilidade de Bolsonaro renunciar para evitar o pior – o impeachment e um eventual retorno da esquerda ao poder. Sem contar que general acatando ordem de capitão não encontra espaço nem mesmo em história em quadrinhos.

    Não obstante, o quase permanente processo de fritura que existe na sede do governo deixa os generais em estado de alerta na maior parte do tempo. Depois dos atos covardes cometidos contra Gustavo Bebianno e o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, todo cuidado é pouco. Sem contar a central de maldades que funciona no Palácio do Planalto e dispara impropérios contra aqueles que são constantemente dragados pela maledicência do clã presidencial.

    Aparentemente complexo, o mencionado enxadrismo político é de fácil compreensão. Se Bolsonaro deixar a Presidência – por impeachment ou renúncia – antes da segunda metade do mandato, uma nova eleição terá de ser convocada em até 90 dias, como determina a Constituição. Isso talvez explique a sequência de “panos quentes” que os generais palacianos têm colocado sobre as muitas atitudes bizarras de Bolsonaro, no afã de mantê-lo no cargo até 1º de janeiro de 2021. Depois disso, poderão abandoná-lo à própria sorte. Esse quadro, que pode parecer estranho para muitos, ajuda a entender a desconfiança dos filhos do presidente em relação ao núcleo duro do governo.

    Sendo assim, de um modo ou de outro, Jair Bolsonaro também precisa do apoio dos militares de baixa patente para enfrentar uma eventual intifada palaciana. Uma espécie de efeito cascata seria deflagrado em todo o País para garantir a sua permanência no poder. Algo como espalhar o terror na esteira da insegurança pública para garantir sua permanência no Palácio do Planalto. Afinal, não custa lembrar que Bolsonaro deixou o Exército, com direito a promoção, após manobras que evitaram sua expulsão por indisciplina, insubordinação e desrespeito ao Código Militar. Em outras palavras, o atual presidente da República se identifica com os amotinados do Ceará.

    Contudo, se a estratégia bolsonarista fugir ao script, o “plano B” seria, em um cenário com Jair Bolsonaro fora do poder, lançar Eduardo como candidato à Presidência em 2022. Coincidência ou não, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) disse há dias que o objetivo do “03” é o Palácio do Planalto.

    Não por acaso, o presidente da República desistiu de nomear o filho como embaixador do Brasil em Washington, não porque temia uma derrota no Senado, mas porque seu plano de poder exige que Eduardo esteja por perto e fazendo política sob sua tutela. Até porque, para aprovar a indicação de Eduardo Bolsonaro como embaixador o “toma lá, dá cá” seria suficiente.

    Quem conhece os subterrâneos do poder sabe que esta análise é correta e pertinente, quem desconhece não demorará a disparar críticas. Como fazemos jornalismo político há décadas e sabemos como a maldade ziguezagueia pelos escaninhos do governo, estamos tranquilos. Até porque, todas as vezes que acertamos o alvo os poderosos entram em torvelinho, como aconteceu recentemente no caso envolvendo questões da mineração. A conferir!