MP permite cortes de até 70% do salário e suspensão de contratos; medida é inconstitucional

 
O governo federal anunciou, na noite de quarta-feira (1), que enviará ao Congresso Nacional a Medida Provisória nº 935, que autoriza que empresas suspendam contratos ou reduzam jornadas de trabalho e salários durante a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.

As reduções podem chegar a 70% e têm prazo máximo de 90 dias. Contratos poderão ser suspensos por até dois meses. Os funcionários afetados receberão uma compensação do governo, que pode chegar até 100% do seguro-desemprego que eles receberiam em caso de demissão.

A medida, divulgada pelo secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, tem por objetivo é diminuir os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus. 

Por meio de negociações individuais ou coletivas, o empregador poderá combinar a suspensão do contrato de trabalho com os empregados por até 60 dias (dois meses), com direito a receber seguro-desemprego. De acordo com a equipe econômica, o governo gastará R$ 51,2 bilhões com o programa emergencial.

A compensação do governo difere de acordo com o tamanho da empresa afetada pelos efeitos da pandemia. As micro e pequenas empresas, que faturam até R$ 4,8 milhões por ano, poderão dispensar temporariamente os funcionários sem pagar qualquer percentual do salário. Nestes casos, o governo bancará 100% do seguro-desemprego ao qual o trabalhador tem direito em caso de demissão.

As negociações individuais valerão para os empregados que ganham até três salários mínimos (R$ 3.135) e para trabalhadores de nível superior que recebam mais de R$ 12.202,12, o dobro do teto da Previdência Social.

As médias e grandes empresas, que faturam mais que R$ 4,8 milhões por ano, terão de bancar 30% do salário durante a suspensão do contrato, com o governo pagando 70% do seguro-desemprego. Os tipos de funcionários que podem aderir às negociações individuais permanecem os mesmos.

No caso de negociações coletivas, a suspensão com complementação de renda valerá para todos os empregados da empresa. Nesse cenário, o governo depositará automaticamente o valor na conta do trabalhador assim que for notificado da negociação.

Em todos os casos, o empregador deverá manter os benefícios durante o período de suspensão, como vale alimentação e auxílios, e o empregado não poderá ser requisitado para trabalho remoto ou à distância.

A MP também institui garantia provisória de emprego durante o período de suspensão e após o restabelecimento da jornada por período equivalente ao da suspensão. Ou seja, uma suspensão de dois meses garante uma estabilidade de quatro meses no emprego.

 
O empregador também poderá fechar acordo sobre a redução proporcional da jornada de trabalho por até três meses, com diminuição do salário na mesma proporção. Assim como na suspensão, o governo bancará o restante do salário com parte do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito.

A Medida Provisória prevê três tipos de redução de salário e de jornada:

• 25% do rendimento, com o governo bancando 25% do seguro-desemprego;
• 50%, com o governo pagando os 50% restantes; e
• 70%, com o governo complementando 70% do seguro-desemprego.

A redução de 25% pode ser acordada com todos os empregados, individualmente ou coletivamente. As demais diminuições podem ser pactuadas individualmente apenas por quem ganha até três salários mínimos ou por trabalhador com nível superior que receba mais que o dobro do teto da Previdência (R$ 12.202,12), ou coletivamente por todos os funcionários.

A redução de jornada deve preservar o valor do salário-hora de trabalho e está limitada a 90 dias. As demais condições permanecem as mesmas para a suspensão dos contratos.

MP traz inconstitucionalidade

O texto da MP 935 contém trechos que violam a Constituição Federal. O principal problema está na redução de salários e jornadas de trabalho por meio de acordo individual com os trabalhadores.

Em seu artigo 7º, a Carta Magna é clara ao proibir a redução dos salários, exceto se houver previsão em convenção ou acordo coletivo da categoria profissional.

“Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”

Líder da oposição no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou que entrará no Supremo Tribunal Federal (STF) com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) requerendo a suspensão da MP 935.

Para o senador amapaense, a possibilidade de acordo individua, como preconiza a MP, ainda que em estado de calamidade pública, afronta diversas normas constitucionais, a exemplo do que destacou acima o UCHO.INFO.

“Essa proteção é ainda mais necessária em momentos de crise justificando-se, com mais força, a necessidade de fortalecimento da negociação coletiva, e não seu enfraquecimento”, afirma Randolfe Rodrigues.

O mínimo que se pode esperar de um governo que pretende reorganizar o País, como anunciou Jair Bolsonaro, é que seus integrantes tenham conhecimento da legislação vigente, mesmo que em doses não tão elevadas. Não será à base do populismo barato e com botinadas administrativas que o governo conseguirá gerenciar a grave crise decorrente da pandemia do novo coronavírus.