Procurador-geral da República entre 1995 e 2003, Geraldo Brindeiro foi apelidado de “engavetador-geral” durante os governos de Fernando Henrique Cardoso por não dar sequência às denúncias contra o tucano ou então por adotar medidas para poupar o então presidente da República. Pelo menos esse era o entendimento dos partidos de oposição da época.
Se Brindeiro fez jus à maledicente alcunha não se sabe, mas é certo que o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, é forte candidato ao posto de “engavetador”. Escolhido para comandar o Ministério Público Federal contra a vontade dos procuradores de todo o País, que enviaram ao presidente Jair Bolsonaro uma lista tríplice, Aras parece agir com excesso de gratidão diante dos casos que envolvem direta ou indiretamente o chefe do Executivo.
Depois de posicionar-se contra a adoção de medidas contra Bolsonaro por colocar a saúde da população em risco em razão de atitudes que destoam das recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) no tocante ao combate novo coronavírus, Aras agora entende que presidente tem direito de decidir sobre o isolamento social.
O parecer do procurador-geral contraria a linha de pensamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que já anunciaram que qualquer decisão do governo no escopo da Covid-19 que não esteja embasada na ciência será automaticamente derrubada. E a flexibilização do isolamento ou a adoção do isolamento vertical são medidas fadadas ao veto pelo STF.
Que Augusto Aras foi alçado ao comando da PGR para, dentro do possível, fazer as vontades de Bolsonaro os brasileiros de bem já sabiam, mas é preciso que o procurador-geral não atropele o Direito e a legislação vigente no País apenas para dar vazão à sabujice. Para o procurador, é de competência do presidente da República definir o modelo de isolamento social, considerando tanto o sistema público de saúde quanto a economia.
“As incertezas que cercam o enfrentamento, por todos os países, da epidemia de covid-19 não permitem um juízo seguro quanto ao acerto ou desacerto de maior ou menor medida de isolamento social, certo que dependem de diversos cenários não só faticamente instáveis, mas geograficamente distintos, tendo em conta a dimensão continental do Brasil”, escreveu Aras em parecer enviado ao Supremo.
Ministros do STF já avisaram mais de uma vez que essas medidas pretendidas por Bolsonaro serão rechaçadas, mas tudo indica que o presidente da República está disposto a continuar esticando a corda e provocando os Poderes constituídos. Em nova manifestação sobre o tema, o ministro Marco Aurélio Mello disse que é “impensável” o Supremo acatar o parecer do procurador-geral.
No horizonte há um inevitável embate entre o Executivo e os outros dois Poderes, algo que agravará ainda mais a já difícil situação enfrentada pelo País. Isolado politicamente e na contramão das decisões tomadas pela extensa maioria dos chefes de Estado e de governo ao redor do planeta para combater o novo coronavírus, Bolsonaro continua preocupado com seu projeto de reeleição, quando na verdade deveria dedicar-se a dar doses rasas de funcionalidade a um governo que até o momento não mostrou a que veio.