Procurador-geral da República, Augusto Aras chegou ao posto contra a vontade da extensa maioria dos procuradores federais de todo o País, que externaram suas preferências em termos de candidatos na lista tríplice enviada ao Palácio do Planalto e ignorada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Depois de forte pressão exercida por seus pares, Aras se viu obrigado a enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de abertura de inquérito para apurar a responsabilidade pelo ato contra a democracia ocorrido no último domingo (19), em frente ao QG do Exército em Brasília, ocasião em que Bolsonaro discursou para uma ensandecida horda que pedia um novo AI-5 e o fechamento do Congresso Nacional e da Suprema Corte.
Sem ter o que fazer, Augusto Aras optou por solicitar abertura de inquérito para não ser acusado de omissão, já que nos últimos tempos vem arquivando de maneira escandalosa inúmeras solicitações de tomada de providências contra o presidente da República. No pedido enviado ao Supremo, o procurador-geral não incluiu o nome de Bolsonaro, sugerindo apenas que deputados federais estariam por trás da organização do evento que atenta contra a democracia e o Estado de Direito.
Encurralado, Augusto Aras afirmou na noite de terça-feira (21) que a atenção à Constituição é “ainda mais importante em tempos de excepcionalidade”, em clara referência ao cenário de calamidade provocado pela pandemia de Covid-19.
Relator da matéria, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a abertura de inquérito para investigar eventuais crimes praticados por organizadores e manifestantes do ato marcado por pedidos de volta da ditadura militar e de fechamento das instituições republicanas
“Muitas vezes essas questões políticas ou são apaixonantes ou são do interesse figadal de alguém, quando não são do interesse material de outrem. Nesse ambiente de conflito permeado por uma calamidade pública, e a história é rica em exemplos de calamidades públicas que se converteram em regimes de força causados por oportunistas, aproveitadores, que nós, institucionalmente, devemos zelar rigorosamente pela Constituição. Se a Constituição é importante em tempos de normalidade, mais ainda é importante em tempos de excepcionalidade”, disse o procurador-geral, em entrevista à CNN Brasil.
À emissora, Aras negou que tenha demorado a agir em relação ao ato antidemocrático e afirmou que a apuração, em um primeiro momento, não vai se debruçar sobre nenhuma pessoa específica. “O inquérito investiga fatos em busca de autoria e materialidade. Não se destina, num primeiro momento, a investigar pessoas, mas fatos”, disse.
Em mais uma manobra para blindar o presidente da República, o procurador-geral disse que a PGR, sob sua batuta, não tratará de atividades partidárias. “Temos resistido à tentativa de pautar a ação do PGR (procurador-geral) politicamente. O PGR não é agente que deva interferir em manifestações partidárias”, disse Augusto Aras.
No caso do protesto do último domingo não há qualquer questão partidária envolvida, mas uma ameaça escancarada à democracia e à liberdade. Se o procurador-geral não tem coragem de cobrar que o presidente da República permaneça seu devido lugar, já que a Constituição Federal é clara ao estabelecer que os Poderes “são independentes e harmônicos entre si” (art. 2º), que peça para sair, pois há procuradores com disposição para tal.
Ou seja, Augusto Aras é o “engavetador-geral” que Bolsonaro tanto precisava para levar adiante um governo autoritário e marcado pelo populismo barato e pela truculência verbal.