Bolsonaro abusa da covardia ao dizer que declaração debochada sobre 5 mil mortes foi tirada do contexto

 
Como se não bastasse sua devastadora incompetência, Jair Bolsonaro consegue a proeza de desmentir a si próprio. Na noite de terça-feira (28), ao chegar ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro foi questionado sobre o número recorde de mortes pelo novo coronavírus em 24 horas, o que fez com que o Brasil superasse a China em quantidade de óbitos. A reboque de impressionante sordidez, Bolsonaro respondeu aos jornalistas: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.

Ao ser informado que veículos de imprensa estavam gravando transmitindo ao vivo sua estapafúrdia declaração, o presidente mudou o discurso e se solidarizou com as famílias que tiveram parentes vitimados pela Covid-19. “Lamento a situação que nós atravessamos com o vírus. Nos solidarizamos com as famílias que perderam seus entes queridos, que a grande parte eram pessoas idosas. Mas é a vida. Amanhã vou eu. Logicamente, a gente quer ter uma morte digna e deixar uma boa história para trás”, disse Bolsonaro.

Ao mudar a retórica, Bolsonaro deixou claro que está preocupado com a opinião pública e principalmente com as consequências de suas desastrosas declarações, marca registrada de um governo que aposta no populismo barato e na fanfarronice para avançar na seara do totalitarismo, algo impossível enquanto as instituições garantirem a manutenção da democracia.

Besta quarta-feira (29), ao deixar a residência oficial da Presidência, Jair Bolsonaro, ladeado por parlamentares do PSL, disse que não pode ser responsabilizado pelas 5 mil mortes causadas pelo novo coronavírus. “Não vão botar no meu colo uma conta que não é minha”, declarou o chefe do Executivo, para quem a cobrança deve recair sobre governadores e prefeitos.

Sem desistir de politizar a tragédia da pandemia de Covid-19 no País, Bolsonaro não perdeu a oportunidade de rivalizar com o governador de São Paulo, João Dória Júnior (PSDB), seu eventual adversário na corrida presidencial de 2022. “A imprensa tem que perguntar para o (João) Dória por que mais pessoas estão perdendo a vida em São Paulo”, disse o presidente da República. “Não adianta a imprensa querer colocar na minha conta essas questões que não cabe a mim. O Supremo (STF) decidiu que quem decide essas questões (sobre isolamento) são governadores e prefeitos”, completou.

 
Jair Bolsonaro poderia poupar os brasileiros de suas estultices e, amparado em números, modular seus discursos. O Estado de São Paulo tornou-se o primeiro epicentro da Covid-19 por ser a mais populosa unidade da federação (44 milhões de habitantes), o que equivale a mais de 20% da população brasileira. Além disso, na condição de locomotiva econômica do País, São Paulo atrai enorme número de pessoas em busca de negócios e oportunidades, o que faz com que as consequências da Covid-19 sejam maiores em números absolutos.

O presidente, como cidadão comum, pode dizer o que bem entender, mas no papel de presidente da República deveria ter cuidado com as próprias declarações e atitudes, pois ao afirmar que a Covid-19 não passa de uma “gripezinha” e protagonizar passeios provocativos por Brasília induz uma parcela da população a repetir seus gestos toscos e irresponsáveis, o que acabam aumentando o nível de contágio pelo novo coronavírus e, ato contínuo, eleva o número de mortes.

Desprovido de raciocínio lógico e principalmente de doses rasas de sensibilidade, Bolsonaro novamente recorreu à covardia para afirmar que sua declaração (“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”) foi tirada do contexto.

“Você mentiu”, disse o presidente a um jornalista que perguntou se ele negava a declaração do dia anterior. “Lamento as mortes profundamente. Sabia que iam acontecer. Mas eu desde o começo me preocupei com vida e emprego, porque desemprego também mata. Então, essa conta, tem que ser perguntada para os governadores”, respondeu Bolsonaro.

A fala do presidente está gravada e de maneira alguma foi tirada de contexto. Se Bolsonaro “adoçou” a nova declaração ao saber que estava sendo gravado, isso mostra uma personalidade questionável e ausência de caráter. Para quem, em pronunciamento na última sexta-feira (24), afirmou que não aceitava ser chamado de “mentiroso”, Bolsonaro é uma ode à utopia.

O presidente da República, que deveria unir o País, mas aposta suas fichas na cizânia da sociedade, é uma pessoa descolada da realidade e que prefere fugir às perguntas com respostas sem nexo causal. Dizer que se preocupa com a manutenção dos empregos quando a pergunta versa sobre a forma debochada como tratou as mais de 5 mil mortes pelo novo coronavírus é sinal de que o Brasil está nas mãos de um descontrolado que precisa ser parado a tempo.