Literalmente perdido na Presidência da República, Jair Bolsonaro está ultrapassando perigosamente as fronteiras do bom-senso e, na esteira da sua essência autoritária, colocando em risco a democracia e o Estado de Direito.
Adepto da política do confronto, até porque não sabe existir politicamente de outra maneira, Bolsonaro protagonizou um espetáculo pífio nesta quarta-feira (29) durante a cerimônia de posse de André Mendonça e José Levi, ministro da Justiça e advogado-geral da União, respectivamente. Ao fazer uso da palavra, o presidente disse que respeita as decisões judiciais, mas acima de tudo respeita a Constituição, o que não é verdade.
“Não posso admitir que ninguém ouse desrespeitar ou tentar desbordar a nossa Constituição. Esse é o meu papel, esse é o papel não só dos demais Poderes, bem como de qualquer cidadão desse Brasil: harmonia, independência e respeito entre si. Respeito o Poder Judiciário, respeito as suas decisões, mas nós, com toda a certeza, antes de tudo, respeitamos a Constituição”, disse Bolsonaro.
Essa declaração foi uma resposta à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) que em decisão liminar suspendeu a posse do delgado Alexandre Ramagem na direção-geral da Polícia Federal.
Bolsonaro foi avisado por assessores palacianos que a indicação de Ramagem para o comando da PF acabaria barrada pelo STF, mas o presidente insistiu na indicação porque precisa blindar os filhos, que são alvo de investigações na Suprema Corte.
A fala de Bolsonaro aconteceu na presença dos ministros Dias Toffoli, presidente do STF, e Gilmar Mendes. O presidente da República disse que “brevemente” concretizará o sonho de empossar Ramagem na direção-geral da PF.
Horas depois, já no Palácio da Alvorada, o presidente disse a jornalistas que recorrerá da decisão do Supremo, mesmo a Advocacia-Geral da União (AGU) tendo informado por nota que não recorreria. Tanto é assim, que uma edição extra do Diário Oficial da União (DOU) trouxe decreto, com a assinatura de Bolsonaro, com a anulação da nomeação de Ramagem.
Questionado sobre o posicionamento da AGU, o presidente respondeu: “Quem manda sou eu”. “Eu quero o Ramagem lá. É uma ingerência, né? Mas vamos fazer de tudo. Se não for, vai chegar a hora dele e eu vou colocar outra pessoa (…) É dever dela [AGU] recorrer, eu vou fazer de tudo para colocar o Ramagem”, completou.
Certo de que é dono do Brasil, Bolsonaro continua acreditando que pode tudo, mas por sorte o Estado de Direito ainda prevalece no País. O presidente poderia recorrer da decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes se a nomeação de Ramagem não tivesse sido anulada por meio de decreto já publicado no DOU.
Com a publicação, a anulação da nomeação de Alexandre Ramagem tornou-se oficial e o mandado de segurança impetrado pelo PDT no Supremo perdeu objeto. E ninguém recorre em ação judicial sem objeto. É uma questão de lógica jurídica. O desespero de Bolsonaro em relação à nomeação de Ramagem é tamanho, que as acusações feitas pelo então ministro Sérgio Moro só ganham reforço com o passar das horas.