Além de vídeo, depoimentos no âmbito do inquérito sobre interferência na PF complicam Jair Bolsonaro

 
Prova indicada pelo ex-juiz Sérgio Moro no inquérito que apura a tentativa do presidente da República de interferir politicamente na Polícia Federal, o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril está produzindo muito mais estragos do que os ocupantes do Palácio do Planalto gostariam.

Com depoimentos de testemunhas que contradizem as declarações e alegações de Jair Bolsonaro, o desfecho do inquérito poderá trazer enormes problemas ao governo, que, de chofre, terá de enfrentar a volúpia do chamado ”Centrão” caso queira barrar um pedido de impeachment do presidente da República ou uma autorização para o Supremo Tribunal Federal (STF) processá-lo e julgá-lo.

Se até horas antes da exibição do vídeo da fatídica reunião, na terça-feira (12), Bolsonaro negava os fatos alegados por Moro, com a divulgação de trechos do conteúdo da gravação e os depoimentos de testemunhas a retórica presidencial foi por água abaixo. Isso porque, além dos generais palacianos, que depuseram à PF e dificultaram a situação do presidente, outros depoentes revelaram detalhes que reforça a tese dos investigadores de que o material é “devastador”.

Os generais e dublês de ministros Augusto Heleno (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) afirmaram em depoimento que o presidente mencionou, durante a polemica reunião, a Polícia Federal ao cobrar relatórios de inteligência. Bolsonaro, por sua vez, nega que tenha mencionado a PF e afirma que Ramos “se equivocou”. Ao dizer que Luiz Eduardo Ramos cometeu um equívoco, Bolsonaro está não apenas desautorizando o ministro, mas sugerindo que ele deve mudar seu depoimento, o que dificilmente acontecerá.

 
Na reunião, Bolsonaro usou o termo “segurança” para referir-se à Polícia Federal, algo que foi confirmado por Heleno e Ramos em seus respectivos depoimentos. Na tentativa de minimizar o estrago, ambos os ministros ziguezaguearam nos depoimentos e afirmaram que o presidente referiu-se à segurança pessoal e da família. Ora, se a segurança de Bolsonaro e dos familiares é assunto de responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), sob o comando de Augusto Heleno, o entrevero com Sérgio Moro não teria razão de ser.

As falas iniciais dos dois generais-ministros foram confirmadas por outra testemunha, o delegado federal Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da PF que foi exonerado pelo presidente da República. Valeixo confirmou, em depoimento, que o presidente fez pressão por causa da Superintendência do órgão no Rio de Janeiro.

Como se não bastasse, o atual número 2 da PF, delegado federal Carlos Henrique Oliveira, ex-superintendente da corporação no Rio de Janeiro, afirmou em depoimento que não havia problemas de produtividade no estado e que Flávio Bolsonaro era alvo de investigação. Em declaração recente, Bolsonaro garantiu que nenhum familiar seu era investigado pela Polícia Federal. Oliveira substitui no comando da PF no Rio de Janeiro o também delegado Ricardo Saadi, que foi apeado do posto por pressão do presidente da República.

O delegado federal Alexandre Saraiva, da superintendência da PF no Amazonas, declarou em depoimento ter sido convidado pelo do atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem, chefiar a instituição no Rio de Janeiro. A proposta aconteceu “no início do segundo semestre” de 2019, época em que Bolsonaro tentou emplacá-lo como substituto de Saadi.

Não obstante, à parte dos tópicos acima descritos, a troca de mensagem entre Moro e Bolsonaro é mais que suficiente para o presidente da República ser processado com base no que estipula o Código Penal, ou seja, por crimes de “advocacia administrativa” e “coação no curso do processo”. No momento em que Bolsonaro escreveu para o então ministro da Justiça que o fato de parlamentares bolsonaristas estarem sendo investigados pela PF era mais um motivo para substituir Maurício Valeixo, a tentativa de interferência no órgão ficou patente.