Fala de Bolsonaro sobre teste positivo para Covid-19 é marcada por fanfarronices e desconexões

 
Entre as muitas peculiaridades do fascismo, negar a ciência é uma delas. Contudo, quando a ciência prevalece sobre o devaneio fascitoide, a saída e capitalizar determinado, abrindo caminho à vitimização torpe e ao falso messianismo.

É exatamente isso que já faz o presidente Jair Bolsonaro, depois de anunciar na manhã desta terça-feira (7) que contraiu o novo coronavírus. Na entrevista que concedeu a jornalistas no Palácio da Alvorada, sem respeitar as regras basilares do isolamento social, Bolsonaro disse que está usando a combinação de azitromicina e hidroxicloroquina e que há “chance de sucesso de quase 100%” para quem recorre a esses fármacos, mesmo que não exista eficácia comprovada.

Entre os infectados pelo vírus SARS-CoV-2, a maioria se recupera, o que pode acontecer com o presidente da República, especialmente por ter acesso ao que de melhor existe no País em termos de medicina. Essa declaração serve para, em futuro próximo, elevar a hidroxicloroquina ao patamar de tábua de salvação, ao mesmo tempo em que o próprio presidente passaria a ser visto como messiânico. Até porque, Bolsonaro vem insistindo no uso da hidroxicloroquina no combate à Covid-19, enquanto turbina o negacionismo tosco com sua conhecida irresponsabilidade genocida.

Situação idêntica ocorreu na esteira do ataque a faca de que foi alvo durante a campanha eleitoral de 2018, em Juiz de Fora, Minas Gerais. À época, o episódio foi explorado politicamente à exaustão, assim como acontece quando o presidente enfrenta dificuldades. Nos momentos de agrura, a milícia virtual bolsonarista entra em cena a reboque da tese boquirrota de que o ataque foi encomendado pelos partidos de esquerda.

Seguindo o raciocínio vil, Bolsonaro, durante a entrevista, não perdeu a chance de criticar governadores e prefeitos que adotaram o isolamento horizontal como forma de conter a disseminação da Covid-19. Não fosse a adoção dessa medida, o novo coronavírus teria promovido uma matança descontrolada no País, lembrando que o número de mortes pela doença é maior que o anunciado em caráter oficial. Isso porque a testagem no Brasil está aquém do necessário.

No tocante ao tratamento do presidente da República, algumas informações são desconexas, mas é compreensível essa reserva em relação a detalhes do estado de saúde do chefe do Executivo federal.

Com o claro objetivo de minimizar a Covid-19, Bolsonaro comparou a doença à chuva. “Muita gente tem morrido em casa, não vai ao hospital porque tem medo de pegar o vírus. O pânico também mata. O que eu posso falar para todo mundo, eu já dizia no passado e era criticado, esse vírus é como uma chuva, vai atingir você, alguns têm que tomar mais cuidado com esse fenômeno. As pessoas de certa idade com problema de saúde, uma vez contaminado, a chance de óbito é grande”, disse.

 
Em 3 de abril, o presidente usou a mesma metáfora para fazer referência à pandemia do novo coronavírus. “Esse vírus é igual uma chuva, vai molhar 70% de vocês. Isso ninguém contesta. Toda a nação vai ficar livre da pandemia quando 70% for infectada e conseguir os anticorpos”, declarou à época a apoiadores que o aguardabvam na saída do Palácio da Alvorada.

Em relação ao uso de azitromicina, antibiótico recomendado para tratar algumas infecções – otite média, faringite estreptocócica, pneumonia, diarreia do viajante e outras infeções intestinais, além de várias infecções sexualmente transmissíveis (clamídia e gonorreia) – há uma desconexão no que tange a fala do presidente.

Bolsonaro afirmou ter realizado no Hospital das Forças Armadas, em Brasília, ressonância magnética dos pulmões e que o resultado apontou que os órgãos estão “limpos”, sem embaçamento, característica que aponta uma consequência da ação do novo coronavírus no organismo. Considerando que qualquer antibiótico – a azitromicina é um deles – não elimina vírus, o uso do medicamento não é recomendado para quem não apresenta infecção.

A respeitada Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já afirmou que “a azitromicina é um antibiótico e, portanto, não ataca vírus. Os antibióticos são indicados apenas contra bactérias.”

Diante desse cenário, considerando que os pulmões do presidente da República estão “limpos”, como demonstrou a ressonância magnética, o uso da azitromicina só é justificável caso os médicos de Bolsonaro tenham optado por medida profilática para evitar eventuais infecções, as quais podem agravar o quadro de Covid-19.

Contudo, Jair Bolsonaro disse aos jornalistas que algumas horas após usar a combinação azitromicina e hidroxicloroquina sentiu sensível melhora e disposição. Ora, é sabido que a hidroxicloroquina não faz efeito após a ingestão de um comprimido, sendo necessário o uso de várias drágeas para a constatação de eventual resultado positivo. Se o presidente sentiu melhora, por certo é decorrente da ação da azitromicina, que também não produz resultados positivos com dose única e em curtíssimo espaço de tempo.

Para finalizar e resumindo os fatos, em que pese a necessidade de se tratar com doses de reservas assuntos relacionados ao presidente da República, o Palácio do Planalto deveria rascunhar enredo minimamente convincente, com a ajuda de um especialista em saúde. A afirmação de que tudo está bem serve para vender à opinião pública a falsa ideia de que Bolsonaro é um ser invencível e que todo brasileiro não deve se preocupar com a Covid-19.