Judicialização brasileira

(*) Gisele Leite

Nas derradeiras décadas do século XX, assistimos abismados a uma crescente judicialização das práticas sociais e políticas, o que centralizou no Judiciário a tomada de decisões polêmicas que deveriam ser normalmente de responsabilidade dos poderes como Executivo e/ou Legislativo, impondo aos julgadores certo protagonismo de decisões políticas, é o que alguns chamam de ativismo judicial.

O engraçado, porém, é que o Judiciário em sua função é regido pelo princípio da inércia, ou seja, só atuam quando provocados e, principalmente, no desempenho de ser o fiel guardião da Constituição Federal vigente.

Lembremos que a missão jurisdicional ainda pode ser cumprida por caminhos ou meios alternativos, quais sejam, a mediação, a conciliação e a arbitragem, o que traz à tona novos saberes e novas subjetividades. Tais como a Comunicação Não violenta.

A judicialização presente nos rumos da democracia brasileira só vem a comprovar o desequilíbrio existente entre os Poderes constituídos. E se dá exatamente pela ausência de cumprimento de direitos e deveres e, ainda, a violação dos direitos da cidadania e do Estado Democrático de Direito.

Somente o diálogo democrático pode trazer novos modos de viver e conviver e, particularmente, de solucionar os graves conflitos de interesses.

Importante ressaltar que o STF tem galgado frequentemente as manchetes, pois nesse período virulento vivenciamos três crises simultâneas: a crise sanitária, a institucional e a política.

E constantemente os valores primaciais da Constituição Brasileira em vigor estão sendo aviltados, desafiados e desrespeitados, sejam por quem deveria manter-se leal ao juramento feito no passado, seja por ser função precípua pública que deve atuar sempre conforme os ditames constitucionais.

Infelizmente, os descontentes, ao invés de requerer pelos recursos processuais pertinentes, fazem declarações de ódio e ameaças públicas às autoridades do Judiciário brasileiro. Outra aberração com a qual não se pode ter complacência.

Já existem os tribunais informais criados mais recentemente, o tribunal da web que tem apresentado implicações diretas na forma de manifestação e no posicionamento e atuação de muitas pessoas.

O tribunal web surgiu na cultura do cancelamento onde em 2019 já se registrou o fato de celebridades canceladas e, até mesmo, pessoas comuns. A ideia de cancelamento é fruto de denúncias de assédio moral, sexual, racismo, sexismo e homofobia, entre outros, ou ainda pela prática de notícias falsas.

O tribunal web seria espécie de tribunal paralelo que procura destruir as forças infratoras. Mas, é interessante observar que o que é cancelado não é a fala ou a postagem da pessoa, mas a própria pessoa que passa a ser boicotada por ser considerada ilegítima.

A cultura do cancelamento não é novidade e nos tribunais da web espera-se que a destruição do cancelado venha gerar sua redenção quer seja pela confissão do erro e do pedido de desculpas realizado de forma pública. No tribunal web se julga, pune-se e exige-se retratação.

O cancelamento seria uma morte simbólica por conta de posicionamentos políticos, ideológicos, religiosos, sociais e culturais.

O cancelamento de postagens e perfis transformou-se em meio de censura, cerceamento e exclusão social, e tal processo ocorre nas redes sociais, a partir de plataformas de empresas de tecnologia que constroem cada vez maiores monopólios.

Fico estarrecida com alguns que se atrevem a mencionar uma ditatura do STF ou coisa que valha, quando em verdade a Suprema Corte brasileira só cumpre sua principalmente missão de proteger a Constituição das inúmeras violações que ocorrem no atual desgoverno brasileiro.

Convém, no entanto, lembrar que o STF respeita os princípios como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, de sorte que os irresignados podem se socorrer das vias jurisdicionais para exporem suas razões e fundamentos.

Saliente-se que ninguém está acima da lei e nem desobrigado a cumprir seus deveres e exercer seus direitos, mesmo os que tenham galgados os mais relevantes cargos eletivos da república.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

As informações e opiniões contidas no texto são de responsabilidade exclusiva do autor, não representando obrigatoriamente o pensamento e a linha editorial deste site de notícias.

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