“Vedete” do devaneio bolsonarista, hidroxicloroquina é ineficaz em casos leves e moderados de Covid-19

 
Um amplo estudo, liderado pelos principais hospitais privados brasileiros, apontou que a hidroxicloroquina não tem eficácia no tratamento de pacientes internados com quadros leves ou moderados de Covid-19. As conclusões foram publicadas nesta quinta-feira (23) na renomada revista científica “The New England Journal of Medicine”.

De acordo com o estudo, o uso da hidroxicloroquina, combinada ou não com o antibiótico azitromicina, não melhorou as condições de pacientes infectados pelo novo coronavírus. Os autores verificaram também que os pacientes que utilizaram os medicamentos apresentaram tendência maior a alterações nos exames de eletrocardiograma, apontando arritmia, e de sangue, indicando risco de lesão hepática.

O estudo analisou 667 pacientes com quadros leves ou moderados em 55 hospitais brasileiros. O estudo foi coordenado por oito instituições: Hospitais Albert Einstein, Hospital Sírio-Libanês, HCor, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa, além do Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e da Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet). Esse é o maior estudo com a hidroxicloroquina feito até agora no Brasil.

Os participantes do estudo tinham cerca de 50 anos e foram selecionados no máximo dois dias antes do início da pesquisa. Destes, 58% eram do sexo masculino. Entre os avaliados, 40% eram hipertensos, 21% diabéticos e 17% obesos.

Os 667 foram divididos em três grupos, por meio de sorteio. Destes, 271 receberam uma combinação de hidroxicloroquina e azitromicina. Outros 221 receberam apenas hidroxicloroquina. Os últimos 227 pacientes foram selecionados como grupo controle, não recebendo nenhum dos medicamentos, apenas atendimento clínico.

Segundo a pesquisa, os pacientes receberam as medicações por sete dias e foram acompanhados por duas semanas. Ao final, 665 pacientes tiveram seus casos analisados pelo estudo (dois foram excluídos).

Os pesquisadores identificaram que no grupo tratado com hidroxicloroquina combinada com azitromicina, 69% dos pacientes haviam recebido alta e estavam em casa sem sequelas ao final das duas semanas.

Já no grupo que não usou nenhuma das medicações, o índice foi de 68%. Entre aqueles que tomaram apenas hidroxicloroquina, 64% receberam alta nesse período de duas semanas. O número de óbitos também foi parecido nos três grupos: cerca de 3%.

“Não observamos diferenças na evolução dos pacientes dos três grupos. Neste perfil de paciente, portanto, a utilização da hidroxicloroquina não promove uma melhora no estado clínico”, explicou ao jornal “O Estado de S. Paulo” a cardiologista Viviane C. Veiga, coordenadora de UTI da Beneficência Portuguesa de São Paulo e uma das pesquisadoras do estudo.

 
A “cura” promovida por Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro tem insistido no uso da hidroxicloroquina para combater a pandemia do novo coronavírus, mesmo sem comprovação científica da eficácia do medicamento em pacientes com Covid-19. Em maio, o Ministério da Saúde, por pressão de Bolsonaro, chegou a publicar novo protocolo para ampliar o uso do fármaco também em casos leves da doença.

Bolsonaro abraçou a hidroxicloroquina após o presidente dos EUA, Donald Trump, ter propagandeado inicialmente a droga como tratamento com potencial eficácia contra a Covid-19. Trump fez a primeira menção à hidroxicloroquina em 21 de março, após a suposta eficácia da droga ter sido propagada em círculos de extrema direita na internet que promovem teorias conspiratórias e desconfiança contra o establishment científico. À época, o medicamento também ganhou espaço na rede de TV populista Fox News.

A fama repentina da hidroxicloroquina teve origem em anúncio do controverso pesquisador francês Didier Raoult, que no dia 17 de março divulgou estudo preliminar com 24 pacientes apontando que o medicamento havia sido eficaz no tratamento da Covid-19. No entanto, o estudo de Raoult foi criticado em círculos científicos por causa da sua limitada amostra.

Em 23 de março, dois dias após Trump mencionar o remédio, foi a vez de Bolsonaro seguir o exemplo do homólogo americano e passar a promover sistematicamente o fármaco, mesmo sem estudos amplos que comprovassem sua eficácia.

A partir do final de abril, no entanto, Trump deixou de mencionar a droga, na esteira de estudos que apontaram riscos e falta de eficácia, deixando Bolsonaro isolado na defesa da hidroxicloroquina. Mas, em maio, Trump voltou a promover o remédio.

No entanto, mais recentemente, Trump tem voltado seu interesse para vacinas, especialmente após os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e o Instituto Nacional de Saúde do país terem retirado o medicamento, originalmente desenvolvido para combater malária, do coquetel de drogas recomendadas contra a Covid-19.

O entusiasmo de Bolsonaro com a droga acabou causando ou alimentando a queda de dois ministros da Saúde no Brasil em menos de um mês – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

Mandetta, que se opôs à adoção generalizada da cloroquina no SUS, apontou que o entusiasmo de Bolsonaro pelo medicamento se encaixa na estratégia do governo brasileiro de tentar forçar uma reabertura da economia, mesmo com a ausência de embasamento científico.

“Ele quer um medicamento para que as pessoas sintam confiança, para retomar a economia. E isso a pessoa fica na sua tranquilidade achando que o medicamento resolve o problema”, disse Mandetta.

Bolsonaro chegou a se referir ao medicamento como “cura” e passou a usá-lo como instrumento político. Em pronunciamento à nação, em cadeia nacional de rádio e televisão, para promover a droga, o presidente brasileiro ordenou que os laboratórios das Forças Armadas passassem a produzir a hidroxicloroquina em larga escala. Atualmente, o governo tem um estoque de 4 milhões de comprimidos do medicamento e não sabe o que fazer.

No último domingo (19), Bolsonaro ergueu com as mãos uma caixa de hidroxicloroquina, como se fosse uma espécie de troféu, para um grupo de apoiadores que se aglomerou em frente ao Palácio da Alvorada. O presidente, que disse estar com Covid-19, tem afirmado que se trata com o medicamento.

Nas redes sociais, membros do seu círculo mais radical e apoiadores têm atacado figuras que pedem cautela na adoção generalizada da hidroxicloroquina, afirmando que eles “torcem pelo vírus”. O devaneio é tamanho, que alguns apoiadores chegaram a usar a hashtag #RemédiodoBolsonaro. No meio dessa discussão, temas como falta de respiradores, leitos de UTI e medidas de isolamento social parecem ter ficado em segundo plano nas prioridades do governo de Jair Bolsonaro, que de forma criminosa politizou a pandemia. (Com agências de notícias)

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