Proposta de reforma administrativa é cortina de fumaça sobre crise econômico-fiscal sem data para acabar

 
Resistindo até recentemente à reforma administrativa por temer a reação dos servidores, o presidente Jair Bolsonaro foi obrigado a se render à ideia e enviar ao Congresso Nacional, nesta quinta-feira (3), projeto que altera as regras do funcionalismo público.

Reza a Constituição de 1988 em seu artigo 5º (caput) que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, mas não é essa a realidade com que deparamos. Aliás, esse abandono da isonomia no tratamento do cidadão remete à profecia do escritor inglês George Orwell, que no romance satírico “Revolução dos Bichos” (ou “Triunfo dos Porcos”) afirmou que “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”.

A citação ao romancista britânico se deve ao fato de que o projeto de reforma administrativa enviado pelo governo poupará, como sempre, parlamentares, juízes, militares, procuradores, diplomatas e auditores fiscais, que se encaixam nas chamadas carreiras de Estado, não disponíveis no setor privado. Ou seja, a tese de Orwell é correta.

Além disso, a proposta governamental não altera direitos adquiridos pelos atuais servidores, mas cria novas balizas para os futuros integrantes do funcionalismo. Não obstante, o projeto blinda a chamada elite do funcionalismo contra redução de jornadas e salários.

A reforma administrativa, que há muito é cobrada pelo UCHO.INFO, foi a maneira que o governo encontrou, após muita pressão, para tentar distensionar o orçamento de 2021, já que na previsão de contas do próximo ano não há espaço para gastos extras e tampouco para investimentos. Resumindo, a conta acabará no bolso do sempre penalizado contribuinte.

A proposta de reforma é uma sinalização ao mercado da disposição do governo de controlar os gastos e alcançar o equilíbrio fiscal, mas a proposta, como apresentada ao Parlamento, não tem efeitos práticos no curto prazo, além de depender da aprovação de novas medidas. Em suma, a carestia do brasileiro há de continuar na mesma toada pelos próximos dois ou três anos.

O governo pode alegar que a proposta de reforma administrativa permite recorrer ao Legislativo para obter créditos extraordinários para investimentos, mas isso depende da concordância de deputados e senadores, sempre prontos para o jogo da contrapartida, em especial os do chamado “Centrão”.

 
Matéria relacionada
. Orçamento de 2021 mostra inépcia de Guedes e o fracasso de um governo movido por populismo e devaneio

Se antes da pandemia do novo coronavírus a economia brasileira cambaleava à beira do precipício, após a crise provocada pela Covid-19 a situação será muito pior. E não será com discursos ufanistas e bravatas oficiais que o crescimento econômico será retomado, a exemplo do que vem sugerindo o ainda ministro da Economia, Paulo Guedes.

Há um cenário de tragédia que a equipe econômica prefere ignorar, induzindo a erro a parcela desavisada da população. Sem espaço no orçamento do próximo ano para investimentos, de nada adianta falar em obras de infraestrutura, o que em tese ajudaria a debelar a crise com o passar do tempo. Sem esse movimento, o brasileiro deve se preparar para o aumento do desemprego, sem contar as disparidades sociais produzidas pela falta de acesso a serviços básicos.

Não significa que o governo Bolsonaro literalmente cruzará os braços diante do caos, mas considerando que o presidente da República está em campanha pela reeleição, o que exige exibir obras aos possíveis eleitores, a saída será colocar os militares para executar aquilo que o dinheiro público não consegue na seara da iniciativa privada. Esse cenário leva ao aumento do desemprego, já que as grandes empreiteiras nacionais não têm como manter trabalhadores parados.

De igual modo, pouco adianta tentar atrair o capital privado para tais setores, já que o governo de Jair Bolsonaro é uma incansável catapulta de desconfiança. E nenhum investidor minimamente precavido despejará recursos em um cenário de incertezas políticas e constantes ameaças à democracia e ao Estado de Direito.

Em outro ponto da crise orçamentária aparece a dificuldade do governo Bolsonaro para implementar programas sociais e de desenvolvimento. Apenas a título de exemplificação, o programa Renda Brasil, anunciado com alarde como sucessor do Bolso Família, ficou de fora do Orçamento de 2021, assim como ocorreu com o Pró-Brasil. Alterar o nome do programa dando a entender que melhorias virão é estelionato político.

Por enquanto, a reforma administrativa, mesmo com a proposta entregue ao Congresso, não passa de cortina de fumaça sobre uma crise sem data para terminar. A batalha está apenas começando e os servidores são guerreadores experientes e com invejável poder de articulação nas coxias legislativas. A conferir!

Se você chegou até aqui é porque tem interesse em jornalismo profissional, responsável e independente. Assim é o jornalismo do UCHO.INFO, que nos últimos 20 anos teve participação importante em momentos decisivos do País. Não temos preferência política ou partidária, apenas um compromisso inviolável com a ética e a verdade dos fatos. Nossas análises políticas, que compõem as matérias jornalísticas, são balizadas e certeiras. Isso é fruto da experiência de décadas do nosso editor em jornalismo político e investigativo. Além disso, nosso time de articulistas é de primeiríssima qualidade. Para seguir adiante e continuar defendendo a democracia, os direitos do cidadão e ajudando o Brasil a mudar, o UCHO.INFO precisa da sua contribuição mensal. Desse modo conseguiremos manter a independência e melhorar cada vez mais a qualidade de um jornalismo que conquistou a confiança e o respeito de muitos. Clique e contribua agora através do PayPal. É rápido e seguro! Nós, do UCHO.INFO, agradecemos por seu apoio.