A “Operação Esquema S”, deflagrada pela Polícia Federal na quarta-feira (9), a partir de autorização do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, é um atentado ao Estado de Direito e ao exercício da advocacia no País, uma vez que a ação policial foi baseada em depoimentos do delator Orlando Diniz, ex-presidente da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomercio-RJ).
Investigado desde o início de 2018 e preso em março do mesmo ano no âmbito da Operação Jabuti, desdobramento da Lava-Jato, Diniz destinou recursos da instituição (R$ 355 milhões) a escritórios de advocacia para manter-se no cargo.
Em acordo de colaboração premiada homologado pela Justiça Federal fluminense, o ex-presidente da Fecomercio-RJ conseguiu garantir que não será mandado de volta à prisão. Isso porque ficou estabelecido que a pena máxima em caso de condenação seria de 12 anos de detenção, com redução de dois terços. Em outras palavras, a condenação será de no máximo 4 anos de prisão, o que garante o direito de converter a pena em prestação de serviços comunitários.
Como sempre afirma o UCHO.INFO, o instituto da delação premiada ainda continua marcado por polêmicas e dúvidas, uma vez que muitos acordos foram firmados à sombra de chantagens e pressões exercidas por investigadores, a exemplo do que aconteceu no escopo dos crimes cometidos contra a Petrobras. Diante da possibilidade de passar uma boa temporada atrás das grades, o réu aceita revelar o que nem sempre condiz com a realidade dos fatos.
Um detalhe importante que emoldura a delação premiada é a necessidade de comprovação do conteúdo dos depoimentos do colaborador, sob pena de invalidar o acordo em seu todo. Afinal, a delação premiada, diferentemente do que vem ocorrendo no Brasil, é apenas e tão somente meio de prova.
No caso do advogado Caio Rocha, filho do ex-ministro do STJ César Asfor Rocha, não há até o momento qualquer prova documental que vincule o escritório de advocacia com a Fecomercio-RJ ou com Orlando Diniz. Em nota, o advogado ressaltou: “Nosso escritório jamais prestou serviços nem recebeu qualquer quantia da Fecomercio-RJ. Procurados em 2016, exigimos, na contratação, que a origem do pagamento dos honorários fosse, comprovadamente, privada. Como a condição não foi aceita, o contrato não foi implementado. O que se incluiu na acusação do Ministério Público são as tratativas para o contrato que nunca se consumou”.
Não havendo comprovação do que foi delatado, o acordo de colaboração está automaticamente, mesmo que as autoridades que investigam o caso tenham entendimento divergente.
No Direito Penal prevalece a máxima de que o ônus da prova cabe ao acusador, não ao acusado. E no caso em questão é de responsabilidade do Ministério Público Federal (MPF) e do delator a apresentação de provas. Aos acusados e investigados cabe provar inocência. Como no Brasil o denuncismo move o cotidiano nacional e a sociedade se encarrega de propulsar a maledicência corrosiva, a inexistência de provas passou a ser detalhe.
Reza a Constituição Federal de 1988 que todo cidadão tem garantido o direito ao devido processo legal e à ampla defesa. E isso só é possível com a participação de advogados, que atuam para que os tais direitos não sejam violados ou suprimidos.
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Tomando como baliza a citada garantia constitucional, o ex-presidente da Fecomercio-RJ tinha, como ainda tem, direito à ampla defesa. De tal modo, a responsabilidade pela origem do dinheiro usado para o pagamento de honorários advocatícios é do contratante, não do contratado, em que pese a indignação provocada por valores estratosféricos, que não são prova de que houve conluio entre cliente e advogado em algum malfeito.
Ademais, cada profissional é livre para precificar seu trabalho e deve valorar seu talento na área de atuação, já que não há lei que defina limites para valores de honorários em qualquer ramo profissional. E cada um escolhe o quilate do profissional a ser contratado de acordo com a gravidade do problema enfrentado.
Mesmo assim, este noticioso mantém o entendimento, já externado anteriormente, de que somente alguém envolvido em algo extremamente grave e perigoso, correndo o risco de acabar atás das grades, é capaz de desembolsar R$ 86 milhões para ser defendido judicialmente.
Em matéria anterior, citamos que no âmbito da Operação Satiagraha um dos investigados pagou R$ 25 milhões ao advogado que o defendia, sendo que na ocasião teorias absurdas circularam por Brasília de maneira criminosa, sem que aquilo que foi alardeado tivesse qualquer fundamento ou prova. Ficou o dito pelo não dito, algo que até hoje ainda ressuscita entre os maledicentes, que sempre creem saber algo além da realidade dos fatos.
Em 2012, o falecido criminalista Márcio Thomaz Bastos assumiu a defesa do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, acusado de envolvimento na exploração de jogos ilegais. À época, comentou-se que Thomaz Bastos cobrara R$ 15 milhões para defender Cachoeira.
Em maio do mesmo ano, o procurador Manoel Pastana propôs representação contra o criminalista na Procuradoria da República em Goiás por conta dos honorários cobrados de Cachoeira.
Em 29 de maio de 2012, o então presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirmou que “a partir do momento em que se imputa ao advogado a prática de crime por ele estar exercendo, dentro dos limites da lei, o direito de defesa, por óbvio se está a atentar contra as liberdades e contra o legal exercício de uma profissão, constitucionalmente protegida”.
À época, o UCHO.INFO publicou matéria em que defendeu Thomaz Bastos, pois aventou-se a possibilidade de os honorários advocatícios terem sido pagos com dinheiro de origem ilícita. Na relação entre cliente e advogado, que em tese e de chofre é estabelecida com base na confiança, o contratado é terceiro de boa-fé, a quem não cabe qualquer responsabilidade pela origem dos recursos utilizados no pagamento dos honorários,
É preciso separar a atividade do advogado, desde que exercida nos limites da lei, e os negócios do contratante. Não se pode transferir ao advogado os crimes cometidos pelo cliente, apenas porque a sociedade se baseia em devaneios pontuais ou porque não há simpatia pelo causídico.
O traficante de drogas e aquele que subtraiu dinheiro da sacristia da igreja mais próxima têm garantido o direito à ampla defesa e ao devido processo legal. E que ninguém pense que o dinheiro do ladrão da igreja é menos impuro do que o do traficante. Certo é que seus respectivos defensores não podem ser arrastados à vala dos crimes cometidos pelos clientes nem o exercício da advocacia por ser criminalizado por candidatos a Don Quixote de camelô.
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