O governo de Jair Bolsonaro mais parece um laboratório especializado em balões de ensaio, tamanho é o número de ações oficiais para tentar burlar a lei e ludibriar a população. A mais nova incursão palaciana, que acabou fracassando, envolve a promoção de 607 procuradores federais, decidida pela Advocacia-Geral da União (AGU) na última sexta-feira (18).
Com a manobra, a AGU conseguiu elevar ao topo da carreira 606 procuradores, que passariam a embolsar R$ 27,3 mil de salário todos os meses, sem contar os honorários a que têm direito os advogados da União de acordo com as causas em que atuam. As promoções, que constam de portaria do órgão, se deram por antiguidade e merecimento.
A AGU buscou, na verdade, driblar a Lei nº 173, que congelou salários de servidores até o final de 2021. Representante do Ministério Público Federal (MFP) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado questionou os responsáveis pela medida sobre o ordenamento jurídico vigente e as medidas legais de caráter excepcional, adotadas no transcorrer do estado de calamidade pública em função da pandemia do novo coronavírus, que tenham embasado a promoção dos procuradores da AGU.
Rocha Furtado afirmou não ser contra a valorização das carreiras, mas destacou que a representação que requer a suspensão as promoção coletiva é fruto de avaliação objetiva “em face das circunstâncias atuais”.
No pedido, o MPF diz enfatizou que a mencionada promoção é “inoportuna e indecorosa” e atenta contra a parcela mais pobre da população, sobre quem recairia a responsabilidade de pagamento de uma conta no momento em que enfrenta enormes dificuldades financeiras decorrentes da Covid-19.
O subprocurador Lucas Furtado é responsável por representações ao TCU contra a concessão de benefícios para a diretoria da Embratur e o aumento salarial da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar e da Polícia Civil do Distrito Federal, os mais bem remunerados do País. A majoração salarial também fere a Lei nº 173, mas autoridades alegam que o aumento já estava previsto no Orçamento do DF.
“Como diz o dito popular, ‘pau que dá em Chico, também dá em Francisco’”, escreveu Furtado no pedido encaminhado ao TCU. “Com efeito, tratando-se de vedação destinada a promover contenção de despesas com o intuito de permitir a concentração de esforços financeiros no combate à pandemia, não há nenhuma razão para excepcionalizar a adequação de remuneração decorrente de progressão funcional”, destaca o procurador no documento.
Diante da repercussão, a AGU anunciou nesta quinta-feira (24) a suspensão da promoção coletiva. A decisão é do procurador-geral federal, Leonardo Lima Fernandes.
Em um país onde o salário mínimo vale R$ 1.045,00 e a remuneração básica ideal é pelo menos quatro vezes maior (R$ 4.536,12), segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a promoção em questão, com o estrito objetivo de majorar os proventos dos procuradores federais, é um deboche sem precedentes, que torna-se ainda mais aviltante quando considerados os valores repassados sob a rubrica de honorários advocatícios.
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