Mais um impeachment

(*) Gisele Leite

A banalização do impeachment na política brasileira pode produzir danos irreparáveis à nossa incipiente democracia.

O julgamento político do Governador do Rio de Janeiro exprimiu um placar de unanimidade, ou seja, de sessenta e nove votos a zero entre os deputados estaduais que avalizaram o julgamento de Witzel pelo TJRJ. Cumpre lembrar que somente em caso de empate que votará o Presidente do TJRJ.

O Governador é acusado de crime de responsabilidade por desvio de dinheiro público, o julgamento será feito por um colegiado composto por cinco deputados e cinco desembargadores do TJRJ, definindo-se sobre o afastamento do cargo (1) além da perda de direitos políticos do acusado. O prazo para o começo do processo é de cento e vinte dias a contar de 24 de setembro do corrente ano.

Witzel por videoconferência manifestou sua defesa e pronunciou que já sabia que já se encontrava previamente julgado. O placar exibido já é indicador de que os cinco deputados não mudarão seus votos e, dessa forma, os desembargadores serão de crucial importância para selar o destino ex-juiz. Trata-se de um momento histórico e inédito para o TJRJ.

Aguardemos cenas dos próximos capítulos. As principais provas ou indícios sobre o crime de responsabilidade advém da colaboração premiada realizada por Edmar Santos, ex-secretário da Saúde.

Independentemente da tipificação jurídica imputada ao acusado, o impeachment significa sempre um julgamento político, segundo Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral.

Embora o conteúdo do processo de impeachment seja totalmente jurídico, tanto julgados como julgadores são políticos, bem como o efeito de eventual condenação. Saliente-se que conforme constitucionalmente previsto em nossa Lei Maior vigente, o processo é consequência de um crime, mas não pode haver, sem a plena configuração de crime comum ou de responsabilidade, sendo este último uma figura peculiar do Direito Administrativo.

Assim, mesmo que a decisão seja tomada por políticos, estes carecem de ser adequadamente assessorados por juristas tendo em vista ter que respeitar os conceitos do direito, a começar pelos princípios, tal como o da presunção de inocência e da adequação social.

Evidentemente que a configuração ou não de crime de responsabilidade passa obrigatoriamente por um processo interpretativo, o que aliás, sempre precede a qualquer aplicação de norma jurídica, portanto embora seja uma decisão feita por políticos, deve ser plenamente chancelada pela ordem jurídica vigente.

Preocupa-se que no Brasil vivencie a tendência da banalização do impeachment numa democracia já combalida. Há quem defenda que o processo de impeachment é noventa e cinco por cento jurídico e, apenas cinco por cento político, que resta caracterizado pelo órgão onde o processo tramite e pelos julgadores que, apesar de políticos, assumem transitória missão de tribunais e juízes, restando-se disciplinado pelas normas de Direito Administrativo e Processual Penal vigentes.

De toda sorte, o processo de impeachment reúne as características dos três poderes, exalando forte caráter jurídico-administrativo, por destituir ou não alguém que ocupa cargo administrativo importante no país.

A decisão, infelizmente, não precisa ser fundamentada, pois no sistema jurídico pátrio determina que apenas é necessário responder “sim” ou “não” a respeito de evidente configuração do crime de responsabilidade. Mas, essa resposta deveria ser munida e acompanhada de motivação.

Bem como as provas e indícios apresentados para caracterizar o crime praticado passar pelo crivo do contraditório e da ampla defesa. Mesmo no caso de admissão de prova emprestada, ou seja, aquela produzida em outro processo, há de ser justificada pela necessidade de otimização, racionalidade e eficiência da prestação jurisdicional.

Aliás, a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça afirmou: é inegável que a grande valia da prova emprestada reside na economia processual que proporciona, tendo em vista que se evita a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo, a qual tende a ser demasiado lenta e dispendiosa, notadamente em se tratando de provas periciais na realidade do Poder Judiciário brasileiro” .

Lembrando que o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada. Portanto, é assegurado às partes o contraditório sobre a prova, ou seja, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente.

No Rio de Janeiro, tanto o governador como o prefeito são alvos diletos de impeachment, o que nos arremessa diretamente para um abismo administrativo em plena pandemia de coronavírus. No caso de Witzel, totalizaram-se quatorze pedidos de impeachment. Já Crivella (bispo-prefeito) no dia 17.9.2020 teve rejeitado pela Câmara de Vereadores, pelo estreito placar de 24 votos a 20 sobre o pedido de abertura de processo. Os autores do pedido suspeitam de improbidade administrativo, crime de responsabilidade além de desvio de verbas públicas.

Mesmo antes da crise do governo protagonizada pela saída do Ministro da Justiça Sérgio Moro, o atual presidente da república já era o recordista de pedidos de impeachment, em dezesseis meses de governo, em abril do corrente ano, já se registravam-se trinta e uma representações para o impeachment. Não obstante a expressiva quantidade, o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia afirmou que o momento não é adequado para essa pauta.

Pois quer aguardar uma decisão mais esclarecedora do STF sobre as acusações de interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal. Na prática, a quantidade de pedidos de impeachment de Bolsonaro ultrapassa aos que foram feitos ao ex-presidente Fernando Collor. Na época, antes de renunciar, Collor enfrentou vinte e nove representação no período de trinta meses de governo. Dilma Rousseff, por sua vez, totalizou sessenta e oito pedidos num período de sessenta e sete meses de seus dois mandatos, até finalmente ser afastada do cargo em 2016.

Enfim, mais um impeachment…

(1) Em 28 de agosto do corrente ano o Superior Tribunal de Justiça determinou afastamento imediato de Wilson Witzel do cargo de governador do Rio de Janeiro devido as suspeitas de fraude em compras na área da saúde durante a pandemia de Covid-19. A decisão coube ao Ministro Benedito Gonçalves e tem validade inicial de cento e oitenta dias. Assume, nessa ocasião, o vice-governador Cláudio Castro o executivo do Estado do Rio de Janeiro. Em verdade, o Ministério Público Federal chegou a pedir a prisão de Witzel, porém, o Ministro Benedito afirmou que era suficiente o seu afastamento do cargo para encerrar as supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro. Porém, a decisão proíbe o acesso do governador às dependências do governo do estado e a sua comunicação com funcionários e utilização dos serviços. Witzel ainda deixa de ter poder para liberação de recursos e contratações em tese fraudulentas…. -In: SABÓIA, Gabriel; REGULA, Fábio, Witzel é afastado do governo do RJ Disponível em: https://www.bol.uol.com.br/noticias/2020/08/28/stj-witzel-afastamento.htm? Acesso em 24.9.2020).

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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