(*) Carlos Brickmann
Já não há quem não saiba da operação que obriga a Polícia a lavar dinheiro e levou um senador, como gato, a se esconder com o rabo de fora. Ainda por cima, desmentiu uma frase clássica do imperador Vespasiano, de Roma, a seu filho Tito: “Pecunia non olet”, “Dinheiro não cheira”. Mas cheira, sim.
Coincidência: Quem mandou afastar o senador do cargo foi o ministro Barroso.
Pediu para sair: O senador Chico Rodrigues, DEM de Roraima, era vice-líder do Governo. Bolsonaro tirou-o do cargo, mas, gentilmente, “a pedido”.
Isso a Globo não mostra: todo o trabalho da Polícia Federal foi gravado. O ministro Barroso determinou que o vídeo fique num cofre da PF, por exibir demasiadamente a intimidade do senador.
Os anais do caso: como a PF chegou ao esconderijo? O senador pediu ao delegado para ir ao banheiro. O delegado percebeu que, na parte traseira do short de pijama do senador, havia um volume grande, estranho. Pareceu-lhe que o senador ocultava algo. O senador disse que não havia nada. A PF fez então uma busca pessoal no senador e encontrou pouco mais de R$ 32 mil.
A defesa: Chico Rodrigues disse que vai provar que nada tem a ver com qualquer ato ilícito. “Acredito na Justiça dos Homens e na Justiça divina”.
Os amigos: Bolsonaro é o amigo mais próximo do senador. Em vídeo, referindo-se aos 20 anos de amizade com Chico Rodrigues, o presidente disse: “É quase uma união estável, hein, Chico?”
Os bons companheiros
Justo no dia da busca e apreensão, Bolsonaro tinha dito que, se soubesse de algum ato de corrupção, iria “dar uma voadora”. OK, aplicar recursos em seus próprios fundos não é crime; pode ser só um hábito derivado, digamos, de… bem, de… bem, sabe-se lá.
Talvez haja algum crime, mas ainda terá de passar pelos tribunais. É injusto dizer que Bolsonaro não deu a tal voadora apenas porque o senador, que pode perder o mandato por excesso de fundos, é seu amigo. Mas é mesmo! Vejamos este ano: Chico Rodrigues, embora represente um Estado pequeno, é o oitavo entre 81 senadores no volume de emendas liberadas pelo Governo, com R$ 15,5 milhões. A propósito, a busca e apreensão se refere a uma suspeita de desvio dessas verbas. Antes do jocoso batismo de Operação Ducha Íntima, o nome era Desvid-19, pela suspeita de que tenha ocorrido desvio em verbas destinadas a combater a pandemia.
Amigos de fé
Chico Rodrigues não é amigo apenas de Bolsonaro, com quem partilhou mais de 20 anos de Câmara Federal. É também amigo fiel da família. É em seu gabinete que trabalha Leonardo “Léo Índio” Rodrigues de Queiroz, filho da irmã de Rosângela Bolsonaro, primo-irmão do 01, 02 e 03, os filhos mais velhos do presidente (salário, R$ 22.900 mensais).
Trabalha, não: trabalhava. Pediu demissão assim que o caso das cédulas estranhamente alojadas estourou. Léo Índio é muito amigo dos três filhos políticos do presidente, e chegou a morar no Rio com Carluxo, o 02. Frequenta o Palácio do Planalto e tem livre acesso ao círculo íntimo da família presidencial.
Os companheiros
Chico Rodrigues não limita seus contatos aos Bolsonaro. Publica, em suas redes sociais, fotos com o vice, general Mourão, vários ministros, como Jorge Oliveira, Onyx Lorenzoni, Ernesto Araújo, general Luiz Ramos. Não é olavista, nem pertence a ala alguma do bolsonarismo: é Bolsonaro, e só.
A vida como ela é
Está bem, o senador Chico Rodrigues inovou na área de armazenagem de dinheiro (embora o escritor Olavo de Carvalho já tivesse sugerido o mesmo tipo de recipiente ao presidente Bolsonaro, para guardar a condecoração que lhe era oferecida). Mas, tirando o esconderijo do dinheiro, nunca foi muito diferente do que é hoje. A ótima repórter Thaís Oyama conta que em 2006, O Globo mostrou que parlamentares usavam falsas notas fiscais emitidas por postos de gasolina para embolsar a verba. Chico Rodrigues disse que emitia R$ 30 mil mensais frios para cobrir despesas sem nota. O prejuízo completo: R$ 41 milhões, dele e de seus colegas. Não deu em nada. Em 2014, foi cassado e virou ficha-suja.
Mas, sabe como é, né? Continuou concorrendo, na boa.
Aqui e lá fora
A coisa chega a ser grotesca, mas não fique triste imaginando que tudo só ocorre aqui no Brasil. Um jatinho brasileiro foi apreendido no Aeroporto de Lisboa com 170 kg de cocaína (valor aproximado, uns R$ 40 milhões). Três brasileiros e dois portugueses foram presos, mas os nomes estavam sendo mantidos em sigilo. O delegado português informou que pelo menos um dos brasileiros tem antecedentes criminais. A cocaína estava em oito malas, bem recheadas.
Trump x Biden
Joe Biden tem ampla diferença de voto popular sobre Trump – mas, nos EUA, o que vale é o voto de cada Estado. Nos Estados, a votação está quase empatada. Biden, creio, é favorito, mas tão apertado que Trump pode ganhar.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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