Tudo azul, mais ou menos

    (*) Carlos Brickmann

    Que é que muda no relacionamento do Brasil com os Estados Unidos, que logo vão estar sob nova direção? Em princípio, nada; são países amigos, os dois maiores exportadores mundiais de alimentos, com interesses às vezes convergentes, às vezes divergentes. As convergências são muito maiores e permitem que as divergências sejam negociadas e superadas. Mas há sempre a observação, tão brasileira, de Caetano Veloso: ou não.

    A onda azul (cor dos democratas) superou a vermelha (Bolsonaro que não nos ouça, mas é a cor do Partido Republicano e de Trump). O discurso volta ao globalismo, aos Acordos de Paris contra a poluição atmosférica, à busca de maior ligação com a Europa Unida. Mas a vantagem numérica de Biden, pequena, mostra que boa parte da população americana tende a seguir a linha antiglobalista de Trump. Uma rápida vista no mapa das apurações mostra uma linha de Estados azuis circulando grande número de Estados vermelhos.

    Cautela, pois: Biden é mais afável, menos impetuoso que Trump, mas não vai revolucionar nada. Embora saiba que Bolsonaro só não foi aos EUA votar em Trump porque a lei não o permite, não dá bola para isso: é profissional. E se Bolsonaro fizer carreatas contra ele, como esta programada para hoje em Maceió, vai se divertir muito. Mas há um ponto em que deve jogar duro: o ambiental. Rainforest, floresta úmida, é um tema popular. Vai defender a preservação da Amazônia. O Itamaraty saberá lidar com isso – se deixarem.

    Chega de intermediários

    O chanceler brasileiro acredita em comunavírus, em perigo amarelo, em perigo vermelho. Talvez tenha de ser substituído por alguém que tema o perigo azul, dos democratas americanos. E que saiba negociar, entre amarelos e azuis, vantagens para o Brasil na implantação da rede 5 G. Trump fazia pressões para manter a Huawei chinesa fora da rede brasileira. Biden, não se sabe. Mas para o Brasil, que têm EUA e China como seus principais parceiros comerciais, é hora de fazer bons negócios com ambos. Ou, se é por ideologia, chega de intermediários: Olavo de Carvalho no Itamaraty.

    A mão que afoga 1

    Celso Russomano tem retumbantes votações para o Legislativo mas falha ao tentar o Poder. Já foi o deputado federal mais votado do Brasil, já foi o segundo mais votado; entretanto, quando se candidatou a prefeito de Santo André, e depois duas vezes à Prefeitura de São Paulo, nem chegou ao segundo turno, embora tenha sempre iniciado a campanha como favorito. Perde substância no meio do caminho. Desta vez, quando começou a perder a vantagem inicial sobre Bruno Covas, que tenta a reeleição, resolveu buscar um apoio de fora: o do presidente Bolsonaro. Tão logo o recebeu, despencou nas pesquisas. E continua se dissolvendo: começou com 29, caiu para 20 em 22 de outubro, na pesquisa Datafolha, caiu agora para 16, em empate técnico com Guilherme Boulos, do PSOL (que tem conseguido agregar votos petistas), 14 pontos, e Márcio França, do PSB, 13%. Ciro Gomes entra agora na campanha de França. Um belo teste de popularidade.

    A mão que afoga 2

    Bolsonaro não tem partido. Tinha decidido não participar das eleições, ao menos no primeiro turno. Mas não resiste a uma boa casca de banana para escorregar: decidiu apoiar Russomano (que despencou), Marcelo Crivella (que tenta a reeleição no Rio e tem dificuldades para chegar ao segundo turno – se houver, já que Eduardo Paes tem o dobro nas pesquisas) e em Roberto Engler, em Belo Horizonte – onde o prefeito Alexandre Kalil tem 59%. Para quem não queria entrar, abraçar três derrotados, e só eles, é uma façanha.

    O problemão

    Mas perder eleições em três capitais importantes não é o problema maior de Bolsonaro. Nem a iminente despedida de seu ídolo-mor, Donald Trump, o afeta tanto. O grande problema de Bolsonaro, agora é a acusação a Flávio, seu filho mais velho, feita pelo Ministério Público ao órgão especial do TJ do Rio: de acordo com o MP, Flavio Bolsonaro comandava uma organização criminosa. É acusado de lavagem de dinheiro, apropriação indébita, peculato e formação de quadrilha, juntamente com Queiroz, a esposa de Queiroz e 14 outras pessoas. Em resumo, é a história das rachadinhas: Queiroz já admitiu que obrigava os funcionários do gabinete de Flávio a lhe entregar parte dos salários, que seria usada em benefício do próprio Flávio.

    Família acima de tudo

    Bolsonaro ficou profundamente irritado ao ter a notícia da entrega pelo MP da acusação a seu filho. Dizem os jornais que seus gritos foram ouvidos em outros andares do palácio. Natural: Bolsonaro é pai. E tem, certamente, grande amor pela família: depois que se elegeu, trabalhou para que seus três filhos mais velhos se elegessem, usando apenas seu sobrenome. E também abriu campo para que a mãe dos três filhos, de quem está separado há muitos anos, use seu sobrenome para tentar se eleger neste ano. Melhor que pensão.

    (*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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