A força das palavras

(*) Carlos Brickmann

Pode chamar de “vaChina”, de “vacina chinesa do Doria”, mas o presidente Bolsonaro talvez não tenha saída: a vacina elaborada pelo Imperial College de Oxford, em cooperação com o laboratório AstraZeneca, sofreu um pequeno acidente de percurso. É provável que tenha havido alguma confusão no cálculo das doses. Nada que prejudique a vacina, criada por equipes conceituadas, competentes, e que tem tudo para funcionar com eficiência; mas talvez gere um atraso. É bem possível que a Coronavac seja a primeira a sair, obrigando Bolsonaro a comprá-la. Ele acabará comprando, mas vai odiar.

Das vacinas que estão quase prontas, duas – a Coronavac e a de Oxford – são tradicionais, clássicas: usam vírus inativado ou de baixa atividade. São mantidas em geladeiras. Duas outras, da Pfizer e da Moderna, são revolucionárias, com base em informações dadas ao RNA, o ácido riboxinucleico humano, que a partir daí prepara as defesas do corpo. Ambas exigem temperaturas bem mais baixas, o que complica a distribuição. As vacinas clássicas dão menos trabalho, mas de qualquer maneira será preciso comprar todas, ou não haverá material suficiente para imunizar a população inteira. Mas a primeira a chegar deve ser a vaChina. Justo aquela que o presidente Bolsonaro criticou e disse que não compraria.

O vento não leva

Lembra daquelas frases, “palavras o vento leva”, e “as palavras voam, o escrito permanece”? Isso foi verdade por alguns milhares de anos – até que a fala passou a ser facilmente gravada. Bolsonaro várias vezes fez pouco da Covid, “gripezinha” que “atinge bundões e otários”. Agora, com mais de 170 mil mortos no Brasil, ele tenta voltar atrás, e diz que nunca falou em “gripezinha”. Falou, sim, está gravado. Seguiu direitinho a linha ditada por seu ídolo Trump, que dizia coisas parecidas.

A última que disse é que quem não se expõe ao contágio é maricas. E por que quer voltar atrás? Bolsonaro só se preocupa com os problemas dos filhos e a reeleição. E viu Trump, mesmo com a estupenda votação obtida nos EUA, com a qual seria vitorioso contra qualquer presidente anterior, derrotado por Joe Biden, com votação ainda maior. Ao contrário de Bolsonaro, Trump teve bons resultados no Governo: enorme redução no desemprego, alta do PIB, inflação baixíssima, paz entre Israel e os Estados árabes do Golfo, nenhuma guerra. Mas se perdeu ao negar a Covid e a querer receitar cloroquina. Geriu mal a pandemia, quis brigar com os fatos. Bolsonaro deve estar atento à lição dos EUA.

Só falta obter os resultados que Trump obteve.

O silêncio é de ouro

A China, maior parceiro comercial do Brasil, é forte candidata na concorrência do 5 G brasileiro. Os EUA, segundo dos parceiros, querem a China fora da concorrência: apoiam os finlandeses da Nokia e os suecos da Ericsson. Oferecem US$ 1 bilhão de financiamento ao Brasil.

Nos bons tempos do Itamaraty, o Brasil estaria manobrando entre chineses e americanos, para conseguir o melhor negócio. Mas cada Governo brasileiro, de uns anos para cá, cismou em ter sapo de fora na política externa: nos tempos petistas, era Marco Aurélio Garcia; no tempo bolsonarista, é Eduardo Bolsonaro – que o vice Mourão, por algum motivo, apelidou de “Bananinha”. Bananinha já criou alguns incidentes com a China e agora a acusa de espionagem. Para ele, o freguês nunca tem razão. A China ameaça retaliar. E o país perde.

Vamos lá, ministro!

O general Pazuello, que assumiu o Ministério para colocar a cloroquina no protocolo de tratamento da Covid, disse que, se sair da Saúde, “sairá feliz”. Ministro, com certeza não será o único feliz.

O motivo de agora

Não faz muito tempo, Pazuello, em reunião com governadores, assumiu o compromisso de trazer 46 milhões de vacinas da China para que o SUS as aplicasse. Diante do Twitter de um seguidor, que reclamou da horrenda possibilidade de tomar vacina vendida pela ditadura chinesa, o presidente voltou atrás, humilhou Pazuello, fez com que ele desse o dito por não dito. Agora, o problema são os pouco mais de sete milhões de testes no final da validade amontoados num galpão em Guarulhos. E há a questão das verbas de combate à Covid: foram aprovadas, estão à disposição, e não há nem plano para gastá-las. A culpa, claro, é do elo mais fraco.

Vai sobrar para o general.

Chave de ouro

Acha as notícias ruins? Vai mais uma: o reajuste de aluguéis no mês que vem será de 24,5%. Feliz Natal!

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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