Amanhã vai ser outro dia

(*) Carlos Brickmann

Um dos eventos mais importantes dos últimos tempos, para o Brasil, é o que ocorre amanhã nos Estados Unidos: neste 14 de dezembro, o colégio eleitoral americano deve homologar Joseph R. Biden como novo presidente da República. Trump apresentou à Suprema Corte um pedido de anulação em massa de votos de Estados em que foi derrotado, mas é provável que a petição sequer seja recebida. Trump, dizendo que a administração de Biden será péssima, já admitiu a derrota. Agora, só Bolsonaro desafia a realidade.

Em diplomacia, tudo é possível – inclusive uma boa relação de Biden com Bolsonaro, como a que havia entre Lula e Bush. Mas o Brasil está preso a círculos de giz ideológicos e tem de livrar-se deles. Os problemas ambientais causam dificuldades com a União Europeia – e não importa que os gringos usem esses problemas como pretexto para prejudicar um forte concorrente agrícola. O Brasil lhes deu o pretexto; e, em vez de reagir com competência (como a ministra Tereza Cristina, a cada uma das patacoadas governamentais contra o maior parceiro comercial do país, a China), brigou com a Europa e criticou a silhueta da esposa do presidente francês.

Os países do Mercosul querem assinar o acordo com os europeus, mas a política ambiental brasileira travou o processo. O culpado não é o ministro Ricardo Salles, executor da vontade de Bolsonaro; mas é provável que tenha de ser sacrificado. Nomear um chanceler seria bom. Nessa hora não podemos deixar vago o Itamaraty.

As convergências

As divergências entre Biden e Bolsonaro existem e são sérias, lembrando que nosso presidente apoiou sem disfarce o candidato derrotado e que Biden, se quiser agradar aos grupos ambientalistas europeus e americanos, tem nele um alvo magnífico. Mas há convergências, também: Biden falou em investir forte num fundo de proteção à Amazônia (US$ 20 bilhões só dos EUA), e provavelmente estará disposto a, sem vetar a Huawei, financiar investimentos em 5 G nos quais os chineses tenham menor relevância. Brasil e EUA são os maiores exportadores mundiais de alimentos e têm muitos acordos a buscar. Um deles: o carro elétrico. Milhões de carros elétricos deixarão, mais cedo ou mais tarde, milhões de enormes baterias fora de uso. Onde armazená-las? Brasil e EUA produzem álcool e podem usá-lo em carros híbridos de baixíssima emissão de carbono, e sem usar hidrogênio.

Parente é serpente

Biden e Bolsonaro têm outra particularidade comum: filhos. A filharada, ao que dizem, tem o que contar. Mas o filho de Biden não fala nem usa Twitter.

Bububu no Bobobó

Nixon estava com a reeleição ganha mas quis porque quis espionar o QG do adversário, no edifício Watergate. No meio do mandato, renunciou para não ser cassado. Um motorista informou que Antônio Palocci, o ministro do PT mais querido pelo empresariado, frequentava uma casa onde, dizia-se, a negociação era solta. Escandaloso, só que passageiro. Mas resolveram desacreditar o testemunho, violaram seu sigilo bancário. O escândalo picante virou caso político e derrubou o ministro. O inquérito sobre Flávio Bolsonaro vinha se arrastando de tal maneira que só terminaria quando o bisneto da rainha Elizabeth assumisse o trono. Mas resolveram garantir o empate: a Abin, uma agência de informações que deveria estar a serviço do Estado, não do governo de plantão, foi trabalhar na defesa do filho 01.

Isso é daquelas coisas que podem dar impeachment. Vai dar? Não se sabe. Mas custa caro.

Cadê a casca?

Neste governo, se souberem que alguém pegou uma banana, vão lutar para descobrir a casca e pisar nela. A Abin é dirigida pelo delegado Alexandre Ramagem, que Bolsonaro queria colocar na chefia da Federal do Rio. O caso traz de volta a denúncia quase esquecida de Sergio Moro, de que Bolsonaro queria interferir na autonomia da Polícia Federal. Se o Centrão ganhar a Presidência da Câmara, impeachment não passa. Mas haja cargos.

A banana inteira

Bolsonaro está entrando em outra guerra que lhe será custosa. Segundo o governador goiano Ronaldo Caiado, as vacinas que vierem para o Brasil serão requisitadas pelo Governo Federal, que as usará no Plano Nacional de Vacinação. Mas cadê o plano? Só agora o Brasil negocia com a Pfizer. Quer 70 milhões de vacinas (não chegam a 30% das necessárias) mas a Pfizer, que pode fabricar um bilhão de doses por ano, já fechou com EUA, Europa, até com Israel. Quantas teremos em janeiro? Um milhão? Mais 2 milhões da CoronaVac, que ameaçam requisitar de São Paulo? Digamos, três milhões? É algo como 1% do necessário.

Mas não há seringas nem luvas de látex. Pode dar certo e ficamos todos na torcida. O militar-especialista-em-logística que está no Ministério da Saúde, o General Cloroquina, não tinha pensado nisso.

A vontade do Senado

Não vai dar isso, mas o Senado gostaria é de eleger Renan Calheiros.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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