Apesar de você…

(*) Gisele Leite

Hoje, dia 18 de janeiro, o dia mundial do riso, um dia depois da autorização da Anvisa para as duas vacinas a Coronavac e a de Oxford, para uso emergencial. Recordo-me, muito, de certa canção de Chico Buarque intitulada “Apesar de você”. Vale a pena destacar os versos: “Apesar de você. Amanhã há de ser. Outro dia. …”.

O negacionismo imbecil e o tratamento indecoroso de falta de gestão e planejamento não poderá perdurar para sempre. Essa senilidade patética em politizar as vacinas… pois a liberdade existe! Prossegue o poeta: “Você que inventou a tristeza. Ora, tenha a fineza. De desinventar. Você vai pagar e é dobrado. Cada lágrima rolada nesse meu penar”.

Um dia, riremos muito dos discursos repletos de bizarrices e ignorâncias produzidas inadvertidamente. Nota-se, evidentemente, que o vice, o General Mourão, é indubitavelmente mais culto e melhor em termos de apresentação pessoal e institucional que o “Capitão Gancho” (que já demonstra desde, sempre, sua intimidade com o jacaré).

O Brasil inteiro ansiava pela autorização da Anvisa que, por unanimidade, autorizou o uso emergencial da CoronaVac, representada no país pelo Instituto Butantan e da vacina Oxford/AstraZeneca, da Fiocruz. Talvez o inesperado tenha sido o célere ímpeto do governador de São Paulo, João Doria. Pois, tão logo anunciada oficialmente a autorização, realizou a primeira aplicação do imunizante, na enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos.

Aliás, a mesma pessoa foi uma das participantes dos testes da vacina, mas tomou placebo e não a vacina. E, também, uma insigne, a técnica de enfermagem Vanuza Costa Santos de 50 anos que também foi vacinada. Logo em seguida, o Governador Doria comandou coletiva de imprensa proferindo vigorosos ataques ao atual Presidente da República e seu Ministro da Saúde.

Em resposta, o Ministro Pazuello acusou o golpe e afirmou que Doria desprezara a lealdade federativa e, ainda, apontou painel que indicava que enviou convite aos governadores para cerimônia simbólica da entrega de vacinas. A priori, o início da vacinação nacional está mantido para o dia 20 de janeiro às 10 h.

Aliás, a exigência do Ministério da Saúde da entrega de todas as doses do Butantan contrasta com o comportamento adotado, nos últimos meses, pelo próprio governo federal pois, ainda em outubro do ano passado, o Presidente se referia à CoronaVac com a alcunha de vacina da China até desautorizando a compra do imunizante que fora anunciada na véspera pelo General Pazuello. Mais recentemente, na semana passada, o Presidente da República ironizou o percentual de eficácia do imunizante. Porém, eis que a Coronavac se tornou a única opção viável depois do fiasco oriundo da importação frustrada das vacinas da Índia.

Muitos políticos e autoridades de todas matizes ideológicas comemoraram a aprovação das vacinas, exceto o Presidente da República. Contudo, devemos alertar que nem a Fiocruz como o Butantan, nesse atual momento, possuem os insumos indispensáveis para a produção de vacinas aqui em nosso país e o instituto já utilizou os seiscentos litros recebidas da China, não havendo previsão de data para receber mais material.

Assistir Dória patrocinando, publicamente, a primeira aplicação da vacina no Brasil, não foi o único dissabor do Chefe da Nação pois, ainda na reunião, transmitida, ao vivo, durante a decisão sobre a liberação das vacinas, os diretores da Anvisa reafirmaram com clareza que não existe tratamento precoce nem remédios cientificamente comprovados.

Apesar do luminoso espetáculo midiático em torno da autorização oficial da vacina, Manaus continua a padecer com falta de oxigênio e com a capacidade hospitalar exaurida. Até empresas privadas e celebridades estão doando cilindros de oxigênio para os hospitais amazonenses.

Já no Rio de Janeiro, aos pés do Cristo Redentor, e acompanhadas pelo Prefeito Eduardo Paes, e do Governador em exercício Cláudio Castro e Dom Orani Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro, as duas primeiras pessoas foram vacinadas. Dona Terezinha, de 80 anos e a técnica em Enfermagem Dulcinea.

Para piorar a situação, o governo federal admitiu confessadamente ao STF que sabia com detalhes da situação crítica do oxigênio em Manaus, desde o dia oito de janeiro, ou seja, há exatos seis dias antes do trágico colapso. Todavia, nada explicou o porquê da omissão, não tomou as devidas providências para evitar tal desastre.

Paradoxalmente, no mesmo dia em que o Brasil passou a ter, oficialmente, as vacinas autorizadas, também foram registrados quinhentos e dezoito óbitos, totalizando 209.868 mortos, com a média móvel de mortes, nos últimos sete dias, em 961, o que aponta para o crescimento.

Arrematando com o poeta Chico Buarque: Apesar de você. Amanhã há de ser. Outro dia. Você vai se dar mal. Etc. e tal

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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