Um mundo só

(*) Carlos Brickmann

A vacina da Pfizer-BioNtech, que em Israel mostra resultados dramáticos na queda de casos de Covid, foi criada nos Estados Unidos sob a liderança de um filho de imigrantes que sobreviveram aos nazistas em Tessalônica, na Grécia. Parte essencial da vacina foi desenvolvida pelo BioNtech, laboratório alemão pertencente a um casal de turcos, ele imigrante, ela filha de imigrantes. A Alemanha os trata como heróis.

O Imperial College, de Oxford, universidade inglesa de elite, se aliou ao laboratório AstraZeneca, anglo-sueco, e criou uma vacina que vem sendo disputada; um dos clientes mais ansiosos é o Brasil. A vacina de Oxford tem 70% de ingredientes chineses. O maior dos centros produtores é o laboratório Serum, na Índia. Há conversas para testar em conjunto a Oxford, inglesa com ingredientes chineses e produção indiana, e a Sputnik russa.

A China se lançou à produção de três vacinas – uma, a CoronaVac, com o Butantan. Como a Oxford, a CoronaVac se baseia em ingredientes chineses.

O francês Stéphane Bancel, ex-dirigente do laboratório bioMérieux e com experiência anterior na Ásia, comanda a Moderna, empresa americana próxima à Universidade Harvard. A Moderna (de Mode-RNA) criou uma vacina com base em ácido ribonucleico, RNA, como a Pfizer, e entregou a produção a um laboratório suíço.

É assim que as vacinas se espalham pelo mundo. Globalização é isso. E há quem ache ruim.

O não era sim, mas é não

Quando um grupo de empresas se propôs a importar vacinas, doar metade ao SUS e, com o restante, imunizar seu quadro de funcionários (havia também quem quisesse buscar vacinas para vendê-las a quem quisesse furar a fila), o Governo Federal disse não. O ministro da Saúde disse que vacinar era tarefa do SUS, ponto final. OK, não era bem assim: o Governo Federal tinha dado sinal verde à importação, desde que sobrasse o suficiente para as compras oficiais.

Mas por enquanto a ideia foi esquecida: a AstraZeneca já informou que, por enquanto, não fará vendas à iniciativa privada. E há sinais de que a Sinovac também não tem sobra de estoques de CoronaVac.

A comilança

Esqueça aqueles filmes de grandes banquetes romanos: aqueles homens de túnica, recostados, comendo uvas e tomando vinho, eram decididamente frugais. O jornal brasiliense Metrópole levantou as despesas do Executivo com alimentação em 2020: R$ 1,8 bilhão só em produtos, 20% mais que no ano anterior. A maior despesa foi com leite condensado: superou os R$ 15 milhões. Tudo bem que o presidente Bolsonaro gosta de leite condensado com pão, mas tudo isso? Numa das regiões mais caras de São Paulo, num supermercado famoso pelos preços altos, com esse dinheiro seria possível comprar 2,6 milhões de latas.

Mas também se gasta muito em vinho, bacon, chicletes, frutos do mar; e R$ 32,7 milhões em pizzas e refrigerantes. São R$ 123 milhões em sobremesas diversas. Sete milhõezinhos em bacon defumado. E são dados oficiais: estão no Painel de Compras do Ministério da Economia. Os maiores gastos em alimentação ocorrem no Ministério da Defesa, R$ 632 milhões. A Economia informou o Metrópoles que a maior parte do gasto é da Defesa, “porque se refere à alimentação das tropas das Forças Armadas em serviço”. Entre os gastos do Ministério da Defesa, há R$ 2,5 milhões em vinho. Imaginemos aquele pessoal façanhudo, cheio de medalhas, rosto sempre fechado, traçando seu leitinho condensado, como o presidente; e com bacon defumado.

Está explicado um mistério: como se deu a expansão do abdome de Bolsonaro. Pão com Leite Moça, né?

A cobrança

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-Sergipe) e os deputados Tabata Amaral (PDT-São Paulo) e Felipe Rigoni (PSB-Espírito Santo) enviaram representação ao Tribunal de Contas da União pedindo investigações sobre o aumento de gastos do Executivo com alimentação. “Em meio a uma grave crise econômica e sanitária, o aumento de gastos apontado pelas matérias é absolutamente preocupante, tanto pelo acréscimo de despesas como pelo caráter supérfluo de muitos dos gêneros alimentícios mencionados”.

Exagero

Talvez os parlamentares cobrem demais. Que mal há em comer 213 kg de geleia de mocotó por dia? Ou, no mesmo período, tomar 30 mil iogurtes?

Agora, caminhoneiros

Representações no TCU, pedidos de impeachment às dezenas, o que leva Bolsonaro a trabalhar duro para eleger presidentes no Legislativo que se acomodem em cima de tudo – e há ainda, a greve de caminhoneiros.

O presidente já lhes prometeu prioridade na vacinação (mas eles sabem que não há vacinas). Querem diesel mais barato. Não querem o projeto de navegação de cabotagem, que lhes tirará o emprego. Data marcada, dia 1º.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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