A polêmica do leite condensado e as toscas justificativas de um governo pífio, hipócrita e autoritário

 
Não bastasse o comportamento “lupanaresco” do presidente Jair Bolsonaro ao reagir às notícias publicadas pela imprensa sobre os gastos do governo com alimentos e bebidas (R$ 1,8 bilhão) em 2019, cujo pagamento ocorreu em 2020, as justificativas oficiais para o caso são contraditórias e fogem à lógica da boa saúde.

Enquanto Bolsonaro dizia, em almoço com artistas, em Brasília, que “o leite condensado era para enfiar no rabo da imprensa”, o Ministério da Defesa justificou a compra do produto por “seu potencial energético”.

Qualquer alimento com altas doses de açúcar é considerado altamente energético, ao mesmo tempo em que é prejudicial à saúde. Esse detalhe contrasta com nota divulgada pelo Ministério da Defesa, em que a pasta alega que “as Forças Armadas têm a responsabilidade de promover a saúde da tropa por meio de uma alimentação nutricionalmente balanceada, em quantidade e qualidade adequadas, composta por diferentes itens”.

Se o objetivo das Forças Armadas é proporcionar doses extras de energia aos 370 mil militares da ativa e simultaneamente “promover a saúde da tropa”, há soluções mais saudáveis e menos danosas ao organismo. Um dos exemplos é a arginina, aminoácido produzido pelo corpo humano que ajuda na recuperação da fadiga e do cansaço, pois melhora o desempenho muscular.

Considerando que o governo Bolsonaro gastou mais de R$ 1,5 milhão com a produção de cloroquina no laboratório do Exército, é possível produzir aspartato de arginina e destiná-lo aos militares. Até porque, o aspartato de arginina é infinitamente mais saudável do que leite condensado.

Em meio à polêmica decorrente da divulgação dos valores gastos pelo governo com a aquisição dos produtos, o Ministério da Defesa alegou, de chofre, que o leite condensado oferece melhores condições de armazenamento e conservação quando comparado com o leite fresco.

“O leite condensado é um dos itens que compõem a alimentação por seu potencial energético. Eventualmente, pode ser usado em substituição ao leite. Ressalta-se que a conservação do produto é superior à do leite fresco”, destaca a nota da Defesa.

É importante destacar que é no mínimo esdrúxula a comparação entre ambos os produtos. Não obstante, faz-se necessário informar com urgência aos comandantes das tropas que alguém, tempos atrás, inventou a embalagem Tetrapak.

No que tange às gomas de mascar, que para a Defesa serve para a higiene bucal, qualquer calouro de Odontologia sabe que tal produto é maléfico à dentição e à saúde bucal. Em suma, a desculpa ingressou na seara da expressão “a emenda saiu pior do que o soneto, da lavra do poeta português Manuel Maria Barbosa de Bocage. Além disso, há de se convir que R$ 2,2 milhões gastos com chicletes representam um monumental absurdo, não sem antes ser um avassalador deboche com a sociedade.

Bolsonaro, o desclassificado de plantão, não aceita o contraditório e sequer sabe conviver com as agruras do cargo que ocupa. Por isso recorre à estupidez para rebater as críticas de que é alvo, até porque sua capacidade intelectual impede qualquer outro tipo de manifestação.

 
É verdade que os números do governo são superlativos, principalmente se considerado o fato de que o Brasil é um país com dimensões continentais e problemas na mesma proporção, mas causa espécie o gasto de R$ 2,5 milhões com vinhos para abastecer a adega da caserna. No momento em que o Brasil luta para sair do atoleiro da crise, esse tipo de regalia é no mínimo condenável.

Em 16 de agosto de 2019, o presidente da República disse que o Exército adotaria o meio expediente para economizar. “O Exército vai entrar em meio expediente, porque não tem comida para dar para o recruta, que é o filho de pobre. A situação que nós encontramos é grave. Não há maldade da minha parte. Não tem dinheiro, só isso, mais nada”, afirmou Bolsonaro na ocasião.

“O Brasil todo está sem dinheiro. Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Os ministros estão apavorados, estamos aqui tentando sobreviver no corrente ano, não tem dinheiro”, completou naquele momento o chefe do Executivo federal.

Ora, se à época a situação financeira do governo já era de penúria, como sabemos, o melhor seria conter os gastos sob a rubrica “alimentos e bebidas”, desde que a necessária moderação não comprometesse a sobrevivência dos militares, mas priorizando a aquisição de produtos saudáveis. E leite condensado e gomas de mascar não são saudáveis.

O volume de compras do governo em 2020 foi menor do que no ano anterior, até porque o Exército adotou o meio expediente, como afirmou Bolsonaro, mas a redução dos gastos, na média, não chegou a 50%.

Considerando os 500 principais produtos adquiridos pelo governo federal em cada um dos dois anos de gestão, em 2019 foram gastos mais de R$ 3,7 bilhões, ao passo que em 2020 foram gastos R$ 2,8 bilhões, como revela matéria publicada no portal UOL. Houve redução de cerca de 25%.

Contudo, um detalhe chama a atenção. Em 2019, o governo comprou R$ 33,2 milhões em arroz, enquanto no ano seguinte o gasto com o mesmo produto foi de R$ 10,2 milhões. No contraponto, em 2019 o governo destinou R$ 10,7 milhões para a compra de pimenta, sendo que em 2020 o gasto com o mesmo produto foi de R$ 11,9 milhões.

Integrante da tropa de choque bolsonarista no Congresso Nacional, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) abusou da ironia ao rebater as notícias sobre os gastos do governo com alimentos e bebidas. Escreveu a parlamentar em sua conta no Twitter: “Se acha que o Exército está comendo muito bem e você não, aliste-se. Sirva a sua pátria e coma bem no Exército”.

O UCHO.INFO sente-se à vontade para criticar os gastos do governo Bolsonaro, pois durante os governos FHC, Lula e Dilma Rousseff agiu da mesma maneira diante de despesas destinadas à aquisição de produtos que, na nossa opinião, são dispensáveis.

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