(*) Gisele Leite
Torturadores, torturas e assassinatos foram a principal característica da ditadura brasileira. Naquela época, pensar em direitos humanos era mero sonho ou quimera. Registra-se a existência de manual instrutório para militares que deveriam torturar a fim de extrair verdades e confissões, tais insidiosas práticas com choques elétricos, afogamentos, sufocamentos e outras crueldades do gênero.
As ações de assepsia militar ocorriam nos porões das unidades do Exército, sendo que prisões, detenções e interrogatórios visavam coibir a participação política e a capacidade do cidadão atuar na esfera pública. Vigorava um crescente empobrecimento dos ideais no país.
É preciso lembrar que os agentes da ditadura, que perpetraram os crimes contra a humanidade e vitimaram os opositores do regime, estabeleceram um sólido clima de terror que marcou definitivamente a geração que viveu o mais duro período da ditadura militar brasileira.
Infelizmente, nosso país ainda convive com legado de violência e impunidade, deixado pela militarização do poder, e que persiste ainda nos campos da justiça e da segurança pública, onde as execuções são cotidianas e integram o grave problema que enfrentamos não apenas nas grandes capitais.
A censura prévia vitimou também a produção artística e acadêmica e controlou com braço forte toda a imprensa. Criou-se o Conselho Superior de Censura que fiscalizava juntamente com o Tribunal da Censura os jornalistas e todos os meios de comunicação. E, os recalcitrantes sofriam retaliação e sob o slogan: “Brasil, ame-o ou deixe-o” quando se incentivava a retirada do país dos descontentes.
Sabe-se de muitas histórias verídicas de jornalistas que vivenciaram os percalços no tempo da censura… aliás, certa vez, numa visita do então Presidente Ernesto Geisel a Alagoas, acharam de colocar as manchetes no jornalismo televisivo: “Geisel chega a Maceió”; “Ratos invadem a Pajuçara”. Pois, que telefonaram da polícia para Pedro Collor, então diretor do grupo e nos encontrávamos na sala e tivemos que aceitar o afastamento do jornalista Joaquim Alves que havia feito a matéria dos ratos. Aliás, quase diariamente as redações dos jornais contavam com visitas e inspeções de policiais federais.
Para concretizar o pleno cerceamento dos direitos dos jornalistas foi criada em 1967 a Lei de Imprensa que previa pesadas multas, além de fechamento dos veículos de comunicação, além de prisão para os profissionais. Essa lei somente foi finalmente revogada em 2009.
O STF decidiu em 30 de abril de 2009, por maioria, derrubar a Lei de Imprensa, sete ministros seguiram o entendimento do então Relator Ministro Carlos Ayres Britto, de que a revogação, e apenas o Ministro Marco Aurélio votou pela manutenção da lei. Destacou a Suprema Corte que quando cabível será aplicada a legislação comum, tanto o Código Civil e o Código Penal brasileiro.
Muitos jornalistas foram processados e regiamente punidos mesmo após o período de redemocratização, pois a Lei de Imprensa permitia punir o mero mensageiro que era o jornalista.
Um fato ainda me intriga: Por que uma pessoa em sã consciência, insiste em exaltar a Ditadura Militar e, ainda, enaltece o AI-5? Principalmente aqueles que não vivenciaram aqueles tempos de chumbo e trevas.
O Presidente negacionista da República tem efusivamente afirmado que não existiu ditadura militar no Brasil, minimiza e, apenas, comenta que o regime tivera apenas “alguns probleminhas”. Pessoas como o presidente criaram uma espécie de blindagem que é um simples mecanismo de defesa para proteção de sua referência e opinião. Por vezes, distorcendo a verdade.
Sigmund Freud, criador da psicanálise, explica que temos o superego como sendo responsável pela moral apreendida em nossas relações pessoais na prática, enquanto que o Id é o inconsciente e onde se originam os mais primitivos impulsos de sobrevivência. Já o ego possui a função de administrar os dois primeiros, para que a pessoa promova a adaptação à realidade que o cerca.
Esses mecanismos de defesa são definidos como tentativa inconsciente do ego amortecer os cruéis e negativos impactos e, ainda, fazer com que as outras pessoas se expressem de maneiras menos diretas. Eis a lógica do negacionismo. Eis o que acontece com os que não admitem que existiu realmente uma ditadura militar brasileira.
Enfim, a negação serve apenas para não se perder dentro da narrativa política e, cada espectro político se agarra desesperadamente às suas próprias verdades, seja para justificar uma ação, ainda que seja facilmente refutada pela contundência dos fatos reais.
Importante ressaltar que qualquer tipo de ditadura é pernicioso, seja de direita ou de esquerda, e só se mantém com o uso de violência para coibir e reprimir os opositores. E, não foi diferente no caso brasileiro.
Diferentemente, os alemães não negam, nem renegam seu passado histórico e, até os momentos mais vergonhosos, tal como o Holocausto. E lá os campos de concentração ficam abertos com o fim não apenas de atrair turistas, mas para alertar a consciência humana do tamanho do estrago que uma ditadura pode causar.
O maior perigo é que ao relativizar a violência cometida pelo outro, geralmente, acarreta maior violência no futuro. Pois, quem não conhece seu próprio passado está mais propenso a repetir os mesmos erros anteriores.
(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.
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