Mais um General

(*) Gisele Leite

O atual Presidente da República indicou e nomeou o General Joaquim Silva e Luna para a presidência da Petrobras e, por conta de seus efusivos pronunciamentos, as ações da estatal registraram forte queda as ações ordinárias caíram 7,58%, enquanto que as ações preferenciais recuaram 6,15% na tarde de 19 de fevereiro de 2021.

As declarações presidenciais, no dia anterior, foram quanto ao anúncio do segundo reajuste nos preços dos combustíveis neste mês. Além da decisão de remover os impostos federais que incidam sobre o diesel durante sessenta dias.

Eis a declaração literal: “Eu não posso interferir na Petrobras, nem iria interferir na Petrobras. Se bem que alguma coisa vai acontecer na Petrobras nos próximos dias. Você tem que mudar alguma coisa”.

Demonstrou-se também a insatisfação presidencial com a declaração feita pelo então Presidente da estatal, Roberto Castello Branco, a respeito dos caminhoneiros. Pois o economista afirmou que a alta do preço do diesel não se trata de um problema da Petrobrás. Na opinião do Comandante da Nação, o então Presidente da Petrobrás cometeu improbidade administrativa por ter desdenhado dos caminhoneiros que reclamam de aumento do preço do combustível.

Em tempo, é curial recordar que improbidade administrativa é ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da Administração Pública no Brasil, cometido por agente público, durante o exercício público ou decorrente desta.

São cinco os princípios básicos da Administração Pública e estão descritos no artigo 37 da Constituição Federal brasileira de 1988 e, condicionam o padrão em que as organizações administrativas devem seguir. São estes: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O Superior Tribunal de Justiça, decidindo acerca de dois casos semelhantes, cada um com as suas peculiaridades práticas, e julgados em períodos bem próximos, trouxe duas visões diferentes no que tange ao conceito (in) elástico de improbidade administrativa quando se trata da prática de abuso de poder ou tortura cometido por agentes públicos no exercício de suas funções.

Em ambos os julgados, o mesmo Tribunal Superior trouxe posições completamente opostas, porém ambas de forma bem fundamentadas e que polemiza o assunto de modo a atrair, portanto, o debate sobre o tema.

O conceito de improbidade tem sua origem no latim, que segundo De Plácido e Silva, traduz a ideia de má qualidade, imoralidade, malícia. Refere-se, ainda, à qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto ou que age indignamente, por não ter caráter, por não atuar com decência, por ser amoral.

O conceito inelástico previsto no REsp 1.558.038/PE, o Superior Tribunal de Justiça no RESP 1.558.038/PE (Informativo 573), trouxe uma visão mais restritiva (grifo meu) do conceito de improbidade administrativa, de modo que segundo o posicionamento neste julgado, não há improbidade administrativa, ainda que praticado por agente público no exercício de suas funções e, que este ato enseje abuso de autoridade tipificado na Lei 4.898/65, quando deste ato não haja lesão aos cofres públicos, haja vista a inelasticidade do conceito de improbidade administrativa.

Observa-se que o julgado considera improbidade administrativa apenas no sentido de lesão ao erário ou enriquecimento ilícito, pouco fazendo menção à existência de violação de princípios, que inclusive possui previsão na própria Lei. 8.429/92. Frisa-se que para o Superior Tribunal de Justiça, neste julgado, só há improbidade, quando há diretamente ofensa aos cofres públicos. Neste sentido vale a pena transcrever o julgado ipsis litteris:

“Não ensejam o reconhecimento de ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992) eventuais abusos perpetrados por agentes públicos durante abordagem policial, caso os ofendidos pela conduta sejam particulares que não estavam no exercício de função pública. O fato de a probidade ser atributo de toda atuação do agente público pode suscitar o equívoco interpretativo de que qualquer falta por ele praticada, por si só, representaria quebra desse atributo e, com isso, o sujeitaria às sanções da Lei 8.429/1992. Contudo, o conceito jurídico de ato de improbidade administrativa, por ser circulante no ambiente do direito sancionador, não é daqueles que a doutrina chama de elásticos, isto é, daqueles que podem ser ampliados para abranger situações que não tenham sido contempladas no momento da sua definição. Dessa forma, considerando o inelástico conceito de improbidade, vê-se que o referencial da Lei 8.429/1992 é o ato do agente público frente à coisa pública a que foi chamado a administrar.

Logo, somente se classificam como atos de improbidade administrativa as condutas de servidores públicos que causam vilipêndio aos cofres públicos ou promovem o enriquecimento ilícito do próprio agente ou de terceiros, efeitos inocorrentes na hipótese.

Assim, sem pretender realizar um transverso enquadramento legal, mas apenas descortinar uma correta exegese, verifica-se que a previsão do art. 4º, “h”, da Lei 4.898/1965, segundo o qual constitui abuso de autoridade “o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”, está muito mais próxima do caso – por regular o direito de representação do cidadão frente a autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos (art. 1º) -, de modo que não há falar-se em incidência da Lei de Improbidade Administrativa. REsp 1.558.038-PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/10/2015, DJe 9/11/2015”.

Assim, como já enfatizado, o julgado traz uma análise em dissonância com o que prevê a própria legislação brasileira, pois desconsidera a existência do próprio art. 11 da Lei de Improbidade, que traz um rol exemplificativo de violação aos princípios da Administração Pública.

A atual Lei de Abuso de Autoridade é a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. A Lei nº 4.898/1965 e a Lei nº 13.869/2019, apesar de versarem sobre o mesmo assunto, com previsões acerca da configuração dos delitos de abuso de autoridade, têm características próprias quanto a forma que o fazem, já que refletem as épocas em que foram criadas.

A primeira teve sua origem em 9 de dezembro de 1965, pouco mais de um ano após o Golpe Militar de 1964, que iniciou um nefasto período de ditadura militar no Brasil, e representou uma tentativa de demonstrar que o então Governo puniria aqueles que abusassem de suas atribuições.

Apenas para informação e atenção, Roberto Castello Branco é Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas EPGE e tem Post Doctoral Fellow in Economics, Departamento de Economia da Universidade de Chicago. A instituição norte-americana é uma referência na vertente liberal, aliás, o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, foi aluno da escola de Chicago. Castello Branco com um curriculum invejável e farta experiência profissional fora defenestrado. E, não cometeu improbidade administrativa.

Porém, comete improbidade administrativa quem dispensa verbas públicas sem indicar sua reposição, conforme prevê o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101, de 04 de maio de 2000), in litteris:

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições”: I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso”.

Ad comparandum, o atual Presidente da estatal aos setenta e um anos de idade, serviu em seus derradeiros cinco anos no Ministério da Defesa, inicialmente como Secretário Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto e, depois, como Secretário-Geral do Ministério e, por fim, como Ministro da Defesa. Toda a formação e titulação curricular do General é oriunda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (1998). Foi Diretor-Geral da Itaipu Binacional.

O engraçado e, simultaneamente, grosseiro é que ex-presidente da Petrobras não fora comunicado pela Presidência da República conforme apurou a Revista Exame com as fontes da estatal. E, à noite, desta sexta-feira, dia 19.2.2021, o Ministério de Minas e Energia divulgou nota anunciando o General Silva e Luna para ser o novo presidente da estatal.

Enfim, mais um general na política atual brasileira. Com isso, colocou o mercado em alerta por temor de intervenção. É mais uma contundente prova de que populismo gera prejuízo. O nome nomeado para a Presidência da estatal ainda terá que ser aprovado pelo Conselho de Acionistas. O Presidência da República foi devidamente intimada para em 72 horas se explicar sobre as mudanças quanto à Petrobras, em atenção ao disposto na Lei das Estatais.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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