(*) Carlos Brickmann
Um imperador romano, Vespasiano, disse a seu filho, o futuro imperador Tito, que o dinheiro não cheira – “pecunia non olet”. Mas cheira, e pode cheirar muito mal – tanto que Bolsonaro, mais uma vez, andou dizendo coisas ofensivas para desviar as atenções dos gastos ostentatórios e de difícil explicação de seu filho, o senador Flávio. Só há um problema: jogar fumaça nos olhos da população indica apenas que há coisas a esconder. Recordemos a frase clássica de Lula: “Meu filho é o Ronaldinho dos negócios”. Com a diferença de que o pai do Ronaldinho não era o presidente do clube.
Flávio, claro, é inocente até prova em contrário. No momento, não é nem suspeito de nada. Mas há um fato que revela imenso talento com a bola em jogo: em 2003, ao assumir seu primeiro mandato de deputado estadual, declarou o patrimônio de um Gol 1.0 no valor de R$ 25.500. Nos oito anos de lá para cá, fez 19 transações imobiliárias, sendo a última a da casa de R$ 6 milhões.
Coincidências, claro, acontecem. O Ministério Público do Rio o denuncia pela “rachadinha” – o desvio de R$ 6,1 milhões da Assembleia fluminense, valor parecido com o da casa que acaba de comprar. A suspeita é de que só contratava funcionários que lhe entregassem a maior parte do salário recebido do Tesouro (e muitos nem precisavam trabalhar para ganhar esse salário) – por meio do hoje famoso Queiroz. De acordo com o MP, o dinheiro era lavado numa loja de chocolates e na compra e venda de imóveis no Rio.
As ofensas
De Angela Merkel, a primeira-ministra alemã que, ao anunciar que iria deixar o poder, foi aplaudida nas ruas por seis minutos, em todo o país, sobre a pandemia: “Nem posso imaginar a dor de quem perde um ente querido”.
De Bibi Netanyahu, primeiro-ministro que comanda o esforço para que a vacinação atinja rapidamente toda a população de Israel: “A Covid tem de ser vencida para que possamos voltar o quanto antes à nossa vida normal”.
De Joe Biden, presidente dos Estados Unidos: “Precisamos de um esforço de guerra para sair da pior crise de saúde em mais de cem anos”.
De Jair Messias Bolsonaro, presidente do Brasil: “Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”
Não, caros leitores que tentam sobreviver, esta frase não é impensada. É friamente calculada para desviar a atenção do eleitor. E o objetivo não é só tirar os holofotes do filho: é preciso tirá-los também do caso Petrobras.
New York, New York
Quatro conselheiros da Petrobras, Omar Carneiro da Cunha, João Cox, Paulo César de Souza e Nívio Ziviani, indicados por Bolsonaro para novo mandato de um ano, recusaram o convite. É um emprego bem razoável, cada conselheiro recebe pouco mais de R$ 10 mil e participa de uma reunião por mês. Mas o risco cresceu muito: a Petrobras tem acionistas minoritários, suas ações são negociadas também em Nova York, e o chilique de Bolsonaro, no qual determinou a troca do presidente da empresa, foge às regras de mercado: modificações que possam influir na variação do preço das ações devem ser comunicadas após o fechamento das Bolsas, evitando manobras irregulares.
Acionistas minoritários podem entrar com ações contra Bolsonaro; mas podem também acionar os conselheiros, que poderiam, na teoria, impedir a demissão fora das normas. E ações em Nova York exigem altos gastos com a defesa; caso vitoriosas, as indenizações costumam ser de grande vulto.
Então, por que?
Há quem acredite que Bolsonaro se deixou levar por um impulso – algo a que uma autoridade não se pode dar ao luxo. Mas existem coisas estranhas.
Há investigações na Bolsa que indicam que pelo menos duas empresas venderam grande volume de ações da Petrobras pouco antes do presidencial chilique. Como a investigação é sigilosa, ainda não se sabe quais empresas são suspeitas.
Poderia ser coincidência? Sempre pode; mas o comportamento dos vendedores causa a impressão de que sabiam que as ações iriam cair. Usar “inside informations” (informações confidenciais) em Bolsa é crime, conhecido como “insider trading”. Dar informações confidenciais para que alguém tenha lucro é crime, também.
Há bancas em Nova York que vivem de convencer eventuais prejudicados a processar eventuais suspeitos.
Volta por cima
O ex-senador Demóstenes Torres, de Goiás, volta com tudo à advocacia: conseguiu o trancamento do processo penal contra o médium João de Deus, Edna Ferreira Gomes, João José Elias e Reginaldo Gomes do Nascimento, acusados de falsidade ideológica. É a primeira vez que João de Deus é absolvido. Demóstenes foi senador importante, porém, acusado de ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, acabou sendo cassado por falta de decoro. Mas, revisando seu patrimônio, a Justiça verificou que não havia indício de ganho irregular – ou seja, amigo ou não de Carlinhos Cachoeira, não tinha recebido qualquer tipo de benefício.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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