O avesso do avesso do avesso

(*) Carlos Brickmann

Um prefeito, preocupado com a avalanche de mortos por Covid, antecipou feriados para paralisar sua cidade até a Semana Santa. Foi o suficiente para irritar uma instância superior: o prefeito não podia fazer isso sem combinar com ele, que queria agir mais devagar. Não, não é Bolsonaro com suas birras: é o governador paulista, João Doria, em geral adepto de decisões rápidas. Embirrou com um de seus maiores aliados, o prefeito paulistano Bruno Covas. Tomou a resposta: Covas disse que lhe faltou o senso de urgência. Gente morrendo não pode esperar acordos de autoridades.

Doria teve ótimo desempenho na pandemia: fez acordo com os chineses para trazer vacinas prontas e habilitar o Instituto Butantan a fabricá-las, iniciou a vacinação, obrigou o general Cloroquina a adiar os adiamentos de que tanto gosta e, diante da inação de Brasília, até hoje as CoronaVac do Butantan respondem por 70% das vacinações no país. Mas, no caminho, Doria escorregou algumas vezes: anunciou que, se não houvesse vacina nos demais Estados, vacinaria quem viesse a São Paulo (seria uma tremenda confusão e isso o deixou mal com outros governadores); baseado no sucesso da vacina que trouxe, tentou assumir o comando do PSDB para dinamizar sua campanha à Presidência, quando é hora, agora, de lutar contra a Covid; e teve uma reação bolsonárica ao tratar um prefeito como seu subordinado.

É preciso agir friamente, sem imitar Bolsonaro. Um Bolsonaro já é muito.

Nuvem passageira

O prefeito Bruno Covas sentiu o golpe de ser atacado pelo aliado. Mas é coisa passageira: em pouco tempo ele e Doria já terão feito as pazes.

O pacificador

Um sábio, Octavio Frias de Oliveira, que levou a Folha de S.Paulo a se tornar o maior jornal do país, dizia que a vantagem de ser idoso era ter visto tudo acontecer, e ao contrário também. Agora, para ter essa vantagem, nem é mais preciso ser idoso: virou hábito o governante falar uma coisa hoje e se desdizer amanhã.

Doria brigou com o prefeito que havia feito o que ele dizia ser certo; e Bolsonaro, briguento, que só poupa de sua ira os filhos e o Queiroz, está convidando autoridades do Congresso, do Judiciário, vários governadores e o procurador-geral da República para buscar um caminho de unidade e combater a gripezinha e a conversinha dos que fazem mimimi.

Os pacificáveis

Serão convidados, com certeza, os presidentes da Câmara e do Senado, do Supremo, do STJ, o procurador-geral Augusto Aras e governadores – não se sabe quais, nem quantos. Mas não é tanta urgência assim: Bolsonaro quer que a reunião se realize na quarta-feira, 24. Até lá, espera, já terá comprado algumas vacinas: na última sexta, anunciou 100 milhões de doses da Pfizer e 38 milhões da Jansen, mais uma cota da Covax, grupo formado pela OMS para evitar que países mais pobres fiquem sem vacinas.

OK, tudo deve vir no segundo semestre; mas é melhor que ter de ouvir queixas por ignorar as ofertas das farmacêuticas quando ainda poderiam fazer as entregas mais cedo – considerando-se o ritmo de mortes, cada dia conta muito.

Acertando o passo

Curiosamente, o que parece ter convencido Bolsonaro a mudar de posição é algo que ele diz detestar, e que seu filho 03 mais uma vez ridicularizou: as pesquisas. De acordo com o PoderData, 52% dos eleitores consideram ruim ou péssimo seu trabalho durante a pandemia. O Datafolha mostra que 46% dos eleitores são favoráveis ao impeachment de Bolsonaro; 50% são contra. Empate técnico que mostra um país dividido. A rejeição a Bolsonaro é de 44%; e 54% condenam seu trabalho durante a pandemia, basicamente o atraso na vacinação, o aumento dos casos de Covid e a falta de leitos. Pode ser que o auxílio de emergência melhore um pouco esses índices, mas dessa vez deve haver só quatro pagamentos de R$ 250 – antes eram R$ 600.

Sai, sai

Outro número que provavelmente incomoda o presidente: a divisão do eleitorado a respeito de sua permanência. Empate técnico: 50% não querem que ele renuncie, 45% querem. Com números como esses, não há reeleição possível. Bolsonaro, claro, fará sua campanha mirando Lula, lembrando os casos de corrupção e as alianças com regimes como Venezuela, Argentina e Cuba. Mas a simples presença de Lula na eleição o incomoda, por ser um candidato viável. Mas o pior dos mundos, para Bolsonaro – e isso exige que ele reconquiste os apoios que perdeu – é surgir um candidato forte mais próximo do centro. Só que ainda não há ninguém viável com esse perfil.

Frase para guardar

Há quem pense que ditadura militar seja sinônimo de ordem, disciplina, retidão, progresso, moralidade. Há quem pense que socialismo e comunismo sejam sinônimo de justiça, igualdade, bem-estar e progresso dos pobres.

E há quem pense.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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