A pandemia mostra que discurso de encomenda não muda o cenário da tragédia, por Waldir Maranhão

(*) Waldir Maranhão

A pandemia do novo coronavírus trouxe à vitrine do cotidiano a tragédia social que impera no Brasil desde sempre. A longevidade do caos social no Brasil me faz lembrar uma frase do notável economista Roberto Campos: “Uma tragédia como a brasileira não é obra do acaso, mas sim de um esforço determinado de décadas.”

É preciso mudar urgentemente esse quadro de desigualdade galopante, buscando um País mais justo e igualitário. Sem isso, o Brasil continuará avançando na trilha do abandono dos seus cidadãos.

Nesta semana, alguns episódios confirmaram o descaso a que estão expostos os brasileiros, principalmente os desassistidos.

Em pronunciamento à nação, o presidente da República mudou a chave do discurso e do nada passou a defender a vacinação, após mais de um ano de negacionismo, como se uma manifestação tardia pudesse reverter 300 mil mortes pela Covid-19.

Sabe-se que o tal pronunciamento foi um ato marcado pelo desespero político-eleitoral, mas não se pode aceitar de forma passiva um palavrório que não condiz com o pensamento do presidente. Até porque, discurso de encomenda não ameniza a carestia enfrentada pelos cidadãos.

Mesmo com a engrenagem da economia nacional ainda rodando, o Brasil está em ritmo lento, quase parando. As pessoas estão com medo do inimigo invisível, o que é compreensível.

Minha preocupação repousa na falta de opção para os que precisam sair de suas casas diariamente em busca do próprio sustento. É uma decisão difícil: morrer de fome ou morrer pelo coronavírus.

A pandemia revelou a cada um de nós que o Brasil deve se reinventar, começar de novo, algo que precisa acontecer na primeira pessoa do plural. Ou nós ou nada! É inaceitável que em nome da sobrevivência o brasileiro seja obrigado a desafiar a morte.

Como disse o sociólogo Herbert José de Sousa, o saudoso Betinho, “quem tem fome, tem pressa”. Não podemos consentir com um cenário em que milhões permaneçam à mingua, na miséria, enquanto quem decide os destinos da nação vive com pompa e circunstância. Quem conhece a triste realidade do Maranhão, minha terra natal, sabe do que falo.

Mesmo respeitando o contraditório e as opiniões divergentes, afinal sou defensor feroz da democracia, a fala do presidente nada mudou no âmbito da realidade. De forma análoga, foi um pano empoeirado passado sobre um descaso devastador.

O discurso talvez tenha surtido efeito nos corredores do Palácio do Planalto, mas não no dia-a-dia do cidadão, que continua desafiando a morte para conseguir colocar comida na mesa.

O presidente não consegue dissociar a pandemia da economia, preocupação natural para quem, na campanha eleitoral, afirmou ter a solução para todos os problemas do País. Compreendo tal preocupação, mas não se pode falar em economia no momento em que centenas de milhares de compatriotas tombam no rastro da maior crise sanitária dos últimos cem anos.

Convicto dos meus propósitos e ideais e sem trair as minhas origens, enraizadas na terra do arroz com cuxá, lutarei com todas as forças para defender os interesses dos brasileiros mais vulneráveis, especialmente por meus conterrâneos maranhenses.

Aliás, vale lembrar que nos últimos tempos alguns setores da sociedade brasileira – um quinto talvez – decidiu viver sob a égide do culto ao mito, sem se aperceber que tal sandice é facilmente desmontada pelo livro “A República”, do filósofo grego Platão, que na sua obra mostra que o “mito da caverna” é fruto de um delírio provocado por cenário de sombras. Essa ausência pontual de luz é o que enfrenta o País atualmente, sem poder destravar o presente e planejar o futuro. Mitos à parte, platônicos ou não, apenas o povo, tão somente, merece respeito e atenção dos homens públicos.

Nessa batalha, exigir a vacinação de toda a população em curto espaço de tempo é condição primeira para, garantindo a sobrevivência dos que resistiram ao coronavírus, conseguir retomar a economia de forma sustentável e com distribuição de renda

Mesmo assim, baseado na trágica radiografia social proporcionada pela pandemia, defendo que a partir de agora todos os homens públicos assumam o compromisso de buscar cada vez mais os interesses dos necessitados, dos desvalidos. E isso não pode ficar na retórica eleitoreira, como sempre acontece. É preciso agir, mesmo que com atraso de séculos.

Afinal, não se pode falar em retomada da economia em um país onde a maioria recebe menos de dois salários mínimos por mês. O potencial de consumo de uma nação com mais de 200 milhões de habitantes é enorme, mas cada cidadão precisa de condições mínimas para consumir. Além disso, é inegável a necessidade de se fazer valer os direitos que a nossa Constituição garante a cada um de nós.

Como cantou Jorge Ben Jor, “moro em um país tropical, abençoado por Deus”, mas cada um tem de fazer a sua parte e olhar para o próximo. Só é possível seguir em frente se olharmos para os lados e dermos as mãos uns aos outros.

Sou Waldir, meu sobrenome é Maranhão, meu desafio é o Brasil!

(*) Waldir Maranhão – médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados

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