A chaga do totalitarismo não contaminará a pujança da nossa democracia, por Waldir Maranhão

(*) Waldir Maranhão

O Brasil vive momento sombrio em preocupante por causa das constantes investidas do presidente da República contra democracia, o Estado de Direito e os Poderes constituídos.

O cenário de ruptura democrática, que Jair Bolsonaro tenta levar adiante de algum modo, é uma ameaça ao País e a cada cidadão. É impossível e inaceitável uma nação viver debaixo de incertezas e interrogações não respondíveis que só avançam.

A situação agravou-se nos últimos dias com a demissão do agora ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que rechaçou a proposta do presidente de alinhar ideológica e politicamente as Forças Armadas e ao bolsonarismo.

Como bem lembrou o ex-comandante da Aeronáutico, tenente-brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez, em nota de despedida, que a Força Aérea é uma instituição de Estado, cuja missão primeira é “servir ao povo brasileiro em todos os seus chamados”.

“Portanto, prezados integrantes da Força Aérea, acreditem na relevância da nossa missão que, balizada pelos inarredáveis preceitos constitucionais, coopera para a soberania daquilo que nos cabe: o espaço aéreo”, afirmou Moretti Bermudez.

O mesmo vale para as outras duas forças, Exército e Marinha, que são e sempre serão instituições de Estado, não de governo, como estabelece a Carta Magna de 1988.

O presidente Jair Bolsonaro tentou enquadrar os oficiais militares, mas acabou enquadrado por eles. Afinal, o alto comando das Forças Armadas repudia qualquer tentativa de politização da caserna.

Bolsonaro ficou sem saída e viu-se obrigado a recuar, mas essa pasmaceira momentânea não significa que a ameaça de um autogolpe deixou de existir.

Parlamentares consideram que o presidente da República, em algum momento, agirá para tentar a ruptura democrática, algo que os verdadeiros patriotas devem repudiar desde já, pois não se pode ser contemplativo enquanto é chocado o ovo da serpente.

O atual momento vivido pela nação me obriga a voltar na linha do tempo e resgatar o magistral discurso do então deputado federal Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, por ocasião da promulgação da Constituição Federal.

Disse o Doutor Ulysses: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”

O que Jair Bolsonaro vem fazendo desde o primeiro de mandato é afrontar a lei maior do País, a mãe de todas as leis. E esse açoite à Carta Magna não pode ser tolerado por ninguém, principalmente pelo Judiciário e pelo Legislativo. É preciso reagir à altura da ameaça.

Mais adiante, em outro trecho do discurso, Ulysses Guimarães parecia antever o que ora vivemos.

“Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.

Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra.
Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania aonde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina”.

Ulysses Guimarães foi não apenas visionário naquele dia, mas cirúrgico ao disparar tais palavras na direção da escória golpista, que agora tenta ressurgir no rastro do retrocesso.

É obrigação de qualquer brasileiro de bem e dotado de bom-senso repudiar com todas as forças as tentativas insanas do presidente da República de sufocar a democracia e suprimir direitos e liberdades.

Causa-me estranheza um governo com viés inegavelmente totalitário condenar a ditadura venezuelana e, ao mesmo tempo, comemorar os 57 anos do golpe militar de 31 de março de 1964, que implantou uma ditadura facinorosa no Brasil, impôs censura a jornalistas e artistas, perseguiu e matou adversários políticos e ideológicos. O golpe militar de 64 não pode ser esquecido, mas, sim, odiado, como bem frisou Ulysses Guimarães em seu inesquecível discurso.

Desde os tempos de Parlamento, Jair Bolsonaro sempre foi um político execrável quando o tema é a defesa da democracia. Até porque, seu mantra diuturno ecoa as notas fúnebres do totalitarismo.

Não sou homem de frases feitas, mas não perco a oportunidade de absorver a essência dos pensadores, não importando quem sejam.

Sempre bem-humorado, o saudoso Millôr Fernandes, que com perspicácia sabia decifrar o Brasil e suas mazelas, profetizou: “O perigo de uma meia verdade é você dizer exatamente a metade que é mentira”.

Bolsonaro até recentemente se equilibrava com muito esforço na corda bamba da meia verdade. Passou a derreter politicamente quando sua irresponsável verborragia foi alcançado pela metade que é mentira.

A lua de mel dos brasileiros com o presidente da República acabou há algum tempo. E não poderia haver outro desfecho que não o da descoberta da verdade.

Disse certa vez Carlos Hilsdorf, economista e pesquisador do comportamento humano: “Na vida é preciso muito cuidado com o que ouvimos. Há mentiras cativantes e verdades sem graça. Isso costuma confundir a razão”.

As palavras de Hilsdorf, muito além de diagnosticarem o momento que enfrentamos, escancaram a armadilha que Bolsonaro colocou no caminho de todos os brasileiros.

Democracia sempre, ditadura nunca mais!

(*) Waldir Maranhão – médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados

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