A tragédia provocada pela pandemia no Brasil tem culpados e o Congresso precisa reagir, por Waldir Maranhão

 
(*) Waldir Maranhão

Com o descaso do governo em relação à pandemia ao longo de 2020 e nos primeiros meses do corrente ano e o negacionismo persistente do presidente Jair Bolsonaro, a crise sanitária instalou no País um cenário de caos inimaginável, talvez semelhante a uma terra arrasada.

Refiro-me não apenas aos mortos e infectados pelo novo coronavírus, tema que merece reflexão e consternação por parte de cada cidadão, mas aos efeitos devastadores da pandemia no cotidiano da população, principalmente a parcela mais pobre da sociedade.

Nenhum brasileiro dotado de bom senso pode aceitar a institucionalização do descaso no combate à Covid-19, enquanto a escalada de mortes avança livre e assustadoramente. Afirmar que vacinas estão sendo compradas em grandes quantidades, após impressionantes de meses de atraso, não intimida o coronavírus, que continua a ceifar vidas ao mesmo tempo em que se modifica geneticamente.

Considerando o grave momento que o país atravessa, algo precisa ser feito para impedir que a tragédia cresça sem qualquer tipo de reação à altura por parte do Estado. Uma situação como a que vivemos atualmente já teria provocado em outras nações a queda do presidente da República, que não abre mão de provocar aglomerações, defender o ineficaz “tratamento precoce” e condenar medidas restritivas, como isolamento social e “lockdown”, adotadas por governadores e prefeitos que têm lutado como titãs em meio a centenas de milhares de cadáveres.

A forma como o presidente da República vem tratando a pandemia configura crime de responsabilidade, o que enseja processo de impeachment. Há no Congresso Nacional mais de sessenta pedidos de impeachment do presidente, com crimes de responsabilidade de sobra, mas nenhum avançou até agora.

Fechar os olhos para os pedidos de impeachment, como faz o Parlamento, é banalizar as mais de 330 mil mortes por Covid-19, transformando em algo comum o fato de pessoas tombarem aos milhares todos os dias diante de uma doença traiçoeira e impiedosa.

Entre as promessas de campanha e os entraves que permeiam o ato de governar há uma diferença brutal, ou seja, governar uma nação como o Brasil não é tarefa fácil, mas é necessário que o presidente da República aja com um mínimo de responsabilidade no âmbito da crise sanitária, a exemplo do que têm feito inúmeros chefes de Estado e de governo mundo afora.

Remédios jurídicos para sanar a chaga que nos aflige existem de sobra na legislação brasileira, começando pelo impedimento do chefe do Executivo federal, que, ao contrário do que esbravejou enquanto candidato, recorreu ao “toma lá, dá cá” para, evitando o pior, manter-se no poder e, talvez, completar o mandato atual.

Há quem diga que o país não suportaria mais um processo de impeachment, mas os brasileiros, cortando na própria carne, precisam aceitar um inevitável processo de maturação do Estado, que passa obrigatoriamente por caminhos íngremes e tortuosos.

Em 17 de julho de 2007, o Brasil parou estarrecido diante da notícia e das imagens do mais grave acidente aéreo do país, no aeroporto de Congonhas. Quase 14 anos depois daquela tragédia, muitos ainda mantêm o inconformismo diante de um acidente que tirou a vida de 199 pessoas. É compreensível que esse episódio seja lembrado continuamente para que os erros não se repitam.

O que temos visto no Brasil dia após dia corresponde à queda de 20 aeronaves semelhantes à que se espatifou e incêndio após atravessar a pista do aeroporto paulistano, mas parece que a indignação da sociedade está cercada pela contemplação pura e simples. Refiro-me àquele grave acidente aéreo para mostrar que desde o início da pandemia até agora o número de mortos por Covid-19 corresponde a 1.675 desastres aéreos como o de Congonhas.

Naquela ocasião, as mais absurdas teorias surgiram entre as chamas que derreteram a aeronave e consumiram famílias e sonhos, mas ao fim prevaleceu a tese de que a punição com base na lei era a melhor solução.

Hoje, no vácuo da tragédia provocada pela pandemia, a sociedade permanece inerte e o Congresso insiste em ser mero espectador, como se o genocídio que acontece no Brasil pudesse ser ignorado.

Diferentemente do que afirmaram e ainda afirmam os negacionistas e os chamados “terraplanistas”, o vírus da Covid-19 não é chinês, mas a letargia das autoridades ultrapassa as barreiras do crime de responsabilidade e avança no terreno da desumanidade é legitimamente brasileira.

Cobiçar a cadeira presidencial é direito de qualquer cidadão que se enquadre nas regras eleitorais, mas o papel de timoneiro da nação tem bônus e, por questões óbvias, tem ônus. Ninguém é obrigado a ser presidente da República, mas quando chega-se ao posto é preciso saber que riscos existem.

Os parlamentares que votaram contra o impeachment da então presidente Dilma Rousseff foram execrados por boa parte da opinião pública, como se fariseus fossem. Por essa baliza, é preciso saber o que acontecerá com os políticos que agora cruzam os braços para contemplar o desastre em que se transformou o combate à pandemia no Brasil.

Crime de responsabilidade não permite interpretação dupla ou de conveniência. É crime de responsabilidade e não se discute o assunto. Na melhor das hipóteses pode-se afirmar que um crime é mais ou menos gravoso que outro. E que cada um decida o que é pior: uma pedalada fiscal, que foi adotada por alguns antecessores da petista, ou a morte de mais de 335 mil pessoas no rastro de pandemia que poderia ser contida.

(*) Waldir Maranhão – médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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