Nesta quinta-feira (8), dia em que o Brasil registrou 4.190 mortes por Covid-19 em 24 horas, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento e decidiu, por 9 votos a 2, que governadores e prefeitos têm autonomia para proibir a realização de missas e cultos com a participação de público.
O resultado do julgamento, que começou na quarta-feira com contundente voto do ministro Gilmar Mendes, que não economizou palavras para criticar o advogado-geral da União, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, já era previsto e derrubou uma manobra populista do presidente Jair Bolsonaro, que usou a estrutura do Estado para fazer proselitismo barato e agradar os evangélicos que integram sua base de apoiadores.
O tema chegou ao plenário do STF depois que o ministro-calouro Kassio Nunes Marques, em decisão monocrática tomada no último final de semana, liberou a realização de missas e cultos presenciais, contrariando decisão da Corte, de abril de 2020, que decidiu que estados e municípios podem adotar, sem depender do governo federal, medidas para combater a pandemia do novo coronavírus, que até agora já deixou mais de 345 mil mortos.
Primeiro a votar na sessão plenária desta quinta-feira, o ministro Nunes Marques, criticado nos bastidores por colegas da Corte por causa de aludida subserviência ao Palácio do Planalto, proferiu voto visivelmente alinhado aos interesses do presidente da República.
Nunes Marques afirmou que o isolamento social na pandemia é importante, “mas também pode matar” se não houver um “alento espiritual”. O ministro disse que a abertura de igrejas e templos “pode ajudar o crente a se sentir mentalmente aliviado”.
“A Constituição protege a todos. Se o cidadão brasileiro quiser ir a seu templo, igreja, ou estabelecimento religioso para orar, rezar, pedir, inclusive pela saúde do próximo, ele tem direito a isso. Dentro de limites sanitários rigorosos. É a Constituição que lhe franqueia esta possibilidade. Para quem não crê em Deus, isso talvez não tenha lá muita importância. Mas para a grande maioria dos brasileiros, tal direito é relevante”, declarou Nunes Marques.
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“Na democracia, a ninguém é dado desobrigar o cumprimento da Constituição ainda que temporariamente, para que se execute política pública que, supostamente, apenas pode ser concretizada se estiver livre das amarras impostas por direitos constitucionais. Para que a sociedade minimamente funcione é necessário que alguns setores não paralisem suas atividades. A decisão sobre o que é essencial é político-jurídica, embora inspirada em critérios científicos. Quanto às liberdades constitucionais, expressamente estabelecidas, é preciso que se respeite seu núcleo essencial”, acrescentou.
Invocar direitos constitucionais para impulsionar o genocídio patrocinado por um governo despreparado e irresponsável evidencia a incompetência de Nunes Marques no universo das leis. Não se trata de proibir a liberdade religiosa, como citou Mendonça e Aras, em clara demonstração de sabujice ao governo, mas de preservar vidas. Em discussão estava no STF a proteção à vida, jamais a violação da liberdade religiosa, como alguns tentaram provar sem sucesso.
Sem mencionar estudos ou pesquisas científicas sobre a origem das transmissões do novo coronavírus, o ministro Nunes Marques foi além em seu devaneio e afirmou “sabemos onde essa doença está sendo transmitida: festas, baladas e bares estão lotados, sem distanciamento nem máscara.” “Não são nos cultos e nas missas que a pandemia está ganhando força”, frisou o magistrado, que tentou se passar por especialista em epidemias e infecções virais.
Como se seu palavrório destrambelhado não fosse suficiente, Nunes Marques foi adiante em seu voto e tentou comparar o funcionamento de igrejas e templos às atividades dos veículos da imprensa. “Poderia o prefeito decretar o fechamento dos jornais da cidade, e das gráficas que produzem periódicos? Ou mesmo o fechamento de telejornais que necessitam de certa aglomeração para o seu adequado funcionamento? É assegurado a todos o acesso à informação”, questionou.
“Nestas hipóteses, a Constituição proíbe tal conduta, porque é livre a manifestação do pensamento. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e da comunicação. É assegurado a todos o acesso à informação. Ou seja, para todas estas questões, a resposta é não. Por que em relação a liberdade religiosa ela seria diferente?”, indagou o ministro.
Está provado definitivamente que Jair Bolsonaro quer se perpetuar no cargo a qualquer preço, ao mesmo tempo que intenta levar o País ao retrocesso e ao obscurantismo. E para isso o presidente usa seus estafetas de plantão para corroer o ambiente democrático e fomentar a radicalização levada a cabo por seus bajuladores. É importante e urgente que a sociedade reaja a essa investida contra a vida dos cidadãos e a democracia, antes que seja tarde demais. Afinal, Bolsonaro dorme e acorda com uma ideia fixa: o autogolpe.
Votaram a favor da proibição de missas e cultos presenciais os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Edson Fachin e Luiz Fux. Votaram contra os ministros Kassio Nunes Marques e Dias Toffoli. O ministro Toffoli não explicou a razão pela qual decidiu acompanhar o voto do mais novo integrante da Corte.
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