Covid-19: estudo atribui fracasso do Brasil no combate à pandemia ao governo Bolsonaro

 
O Brasil fracassou no combate à pandemia de Covid-19 devido a uma série de falhas e omissões dos gestores públicos, com o governo federal tendo um peso maior nessa culpa. É o que aponta estudo publicado na quarta-feira (14) na prestigiada revista científica “Science”.

Liderada pela demógrafa brasileira Márcia Castro, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, a pesquisa é assinada por dez cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, que tentam explicar como um país que possui um sistema de saúde universal e gratuito (o SUS) conseguiu se tornar um dos mais atingidos pela crise sanitária.

Usando dados diários de casos e mortes fornecidos pelas secretarias estaduais de Saúde, o grupo fez um mapeamento detalhado da disseminação do novo coronavírus no território nacional entre fevereiro e outubro do ano passado, primeira fase da epidemia, e concluiu que houve uma variação de padrões entre estados e municípios que reflete a diversidade das políticas de combate à Covid-19 – ou a ausência delas.

A pesquisa afirma que, “embora nenhuma narrativa única explique a diversidade na disseminação, um fracasso geral em implementar respostas imediatas, coordenadas e equitativas em um contexto de fortes desigualdades locais alimentaram a propagação da doença”.

Os cientistas reiteram que a conduta do governo do presidente Jair Bolsonaro tem um peso proporcionalmente muito maior no cenário de caos gerado pela pandemia – uma conduta que ficou marcada não só por omissões, mas por atos irregulares como a promoção de curas ineficazes.

“No Brasil, a resposta federal tem sido uma combinação perigosa de inação e irregularidades, incluindo a promoção da cloroquina como tratamento, apesar da falta de evidências”, diz o estudo. “Sem uma estratégia nacional coordenada, as respostas locais variaram em forma, intensidade, duração e prazos de início e fim, até certo ponto associadas a alinhamentos políticos.”

Segundo os pesquisadores, essa falta de coordenação na adoção de medidas por parte dos governos regionais – atribuída ao fracasso do governo Bolsonaro em implementar uma estratégia nacional – apenas contribuiu para que o vírus se espalhasse sem barreiras pelo país.

“À medida que estados e municípios impuseram e relaxaram medidas restritivas em diferentes momentos, a mobilidade populacional facilitou a circulação do vírus e atuou como desencadeador da disseminação da doença”, destaca o estudo.

 
Ao comparar os números de infecções e mortes registrados entre fevereiro e outubro com as políticas de restrição à circulação de pessoas adotadas pelos gestores públicos, os pesquisadores observaram que essas medidas se mantiveram moderadas ou foram flexibilizadas mesmo em meio a uma fase crítica da pandemia, quando medidas mais rígidas se faziam necessárias.

O estudo também afirma que o alinhamento político entre governadores e o presidente – que sempre minimizou a pandemia e atacou a adoção de lockdowns – teve um papel importante na implementação ou não das medidas de distanciamento nos estados. Segundo os cientistas, essa “polarização politizou a pandemia” e prejudicou a adesão às medidas pela população.

Outros fatores

A pesquisa menciona ainda outros fatores que contribuíram para a gravidade da epidemia, como o vasto território e a profunda desigualdade observada no País, com muitas disparidades na quantidade e qualidade dos recursos disponíveis para a saúde em cada região.

O texto também afirma que a densa rede urbana que conecta os municípios por meio de transporte, serviços e negócios não foi totalmente interrompida durante os picos de casos e mortes, o que facilitou a propagação do vírus.

O grupo observa ainda que o novo coronavírus já circulava sem ser detectado pelo menos um mês antes do primeiro diagnóstico, “resultado da falta de uma vigilância genômica bem estruturada”.

Alerta

Por fim, o estudo lembra que o Brasil vive hoje o pior momento da pandemia, com números recordes de casos e mortes e à beira do colapso do sistema hospitalar, e faz um alerta a favor da adoção imediata de uma resposta nacional coordenada.

“Em tal cenário, respostas imediatas e equitativas, coordenadas em nível federal, são imperativas para evitar a propagação rápida do vírus”, reiteram os pesquisadores, lembrando que a variante P.1, detectada pela primeira vez em Manaus e mais contagiosa, adiciona um agravante à situação de caos no país.

“O fracasso em evitar essa nova rodada de propagação facilitará o surgimento de novos VOCs [variantes de preocupação, na sigla em inglês], isolará o Brasil como uma ameaça à segurança da saúde global e levará a uma crise humanitária completamente evitável”, alertam. (Com agências de notícias)

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