(*) Waldir Maranhão
A partir desta terça-feira, 27 de abril de 2021, os olhos dos brasileiros estarão voltados para a CPI da Covid, que já funciona no Senado da República. Os políticos também voltarão as atenções para as investigações sobre a atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus.
É natural que esse movimento aconteça, que a opinião pública exerça o seu direito de saber os motivos que levaram à perda de 400 mil vidas para uma doença desconhecida e que foi tratada com desdém.
Ao nascer, o ser humano vem ao mundo carregando uma só certeza: que em algum momento a morte há de bater à porta. Mesmo assim, é inaceitável uma matança como a que estamos a assistir, sem que as autoridades tivessem adotado no tempo certo as medidas necessárias. É impossível concordar com uma catapulta de cadáveres que funciona sem parar.
A pandemia do novo coronavírus despertou muitos brasileiros para a dura realidade que embala o País, expondo as mazelas sociais como nunca antes. Mazelas essas que pioraram muito com a crise sanitária.
Já tratei em artigo anterior sobre o aumento da legião de famintos provocado pela pandemia. Muitos pobres, milhões deles, migraram da pobreza para a miséria. Um terço da classe média perdeu poder de compra no rastro da crise sanitária, o que significa consumo menor, menos impulso na mola da economia.
Como já citei, as mortes pela Covid-19 não devem ser tratadas com descaso, os responsáveis por essa tragédia nacional precisam ser devidamente identificados e punidos.
Enquanto as investigações avançam, com um pé na disputa eleitoral de 2022, os homens públicos não podem ignorar uma matança que há décadas ocorre de maneira silenciosa, quase sem ser incomodada.
Refiro-me à falta de saneamento básico em todos os cantos do país. Para os que desconhecem o tema, lembro que 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço de coleta de águas servidas, popularmente conhecido como esgoto. Outros 35 milhões desconhecem o que é água tratada. Em conta rápida, mais da metade da população brasileira não dispõe de saneamento básico. Os dados são da Organização das Nações Unidas (ONU).
Esse caótico cenário leva 15 mil brasileiros à morte todos os anos e outros 350 mil aos hospitais por causa da precariedade criminosa do saneamento básico. Várias doenças são agravadas pelo contato com ambientes insalubres.
Por conta dessa gritante deficiência no saneamento básico, as pessoas que adoecem deixam de trabalhar, tornando ainda mais difícil a luta diária pela sobrevivência.
Ter saneamento básico é fator essencial para um país ser considerado desenvolvido. No momento em que o Brasil ensaia sua entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), esse traço de subdesenvolvimento pesa contra.
O saneamento básico – que se entende por fornecimento de água tratada e coleta e tratamento dos esgotos – melhora a qualidade de vida das pessoas, a mortalidade infantil reduz de forma substancial, a educação ganha impulso. No campo econômico, o saneamento básico proporciona a expansão do turismo, a valorização imobiliária e interfere na renda do trabalhador. No segmento do meio ambiente, o saneamento permite a despoluição dos rios e a preservação das reservas de água. Isso tudo, se colocado na ponta do lápis, representa economia de centenas de milhões de reais em recursos públicos, que poderiam ser investidos em outras áreas deficitárias.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, apenas em 2017 foram notificadas 258 mil internações hospitalares em decorrência de doenças provocadas pela precariedade do saneamento básico. Além das vidas perdidas, isso significa desperdício de dinheiro público. Explico: o dinheiro que poderia ser investido em saneamento é gasto em internações hospitalares e tratamentos médicos pelo SUS.
Segundo o “Instituto Trata Brasil”, considerando um período de duas décadas (2016-2036) e o avanço gradativo, mas lento, do saneamento básico no país, a economia aos cofres públicos com saúde – afastamentos do trabalho e internações nos SUS – representa em valores atuais R$ 5,9 bilhões.
Os estados do Norte e do Nordeste são os que mais sofrem com o saneamento básico, cuja universalização é assunto de extrema urgência e para ontem.
No meu estado, o Maranhão, a situação é desanimadora e impede que qualquer cidadão ouse em falar sobre retomada da economia ou melhora de vida da população. Os números não permitem esconder a realidade.
No Maranhão, com quase 7 milhões de habitantes, 44,6% da população (2,76 milhões de pessoas) não têm acesso à água tratada. Os dados são do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS) e constam do Painel Saneamento Brasil (2019). A situação mostra ainda pior quando nos deparamos com 5,37 milhões de maranhenses que não contam com coleta de esgoto. Esse contingente representa 86,9% da população do estado.
Dados do DATASUS mostram que em 2019 ocorreram 38.237 internações hospitalares por doenças provocadas pelo saneamento básico precário ou por sua ausência. Desses pacientes, 107 foram a óbito naquele ano.
Como destacado acima, o saneamento interfere diretamente nas questões econômicas e financeiras do maranhense. Segundo levantamento do IBGE, realizado em 2019, a renda mensal média das pessoas com acesso a saneamento básico era de R$ 3.181,89, enquanto a das sem acesso era de R$ 460,17.
O tempo de escolaridade dos maranhenses também oscila de acordo com o saneamento básico. As pessoas com acesso aos serviços de saneamento têm 9,3 anos de educação formal, ao passo que as sem acesso têm 5,39 anos.
Mais uma vez mexendo no bolso dos maranhenses, o saneamento básico também dita os valores dos alugueis residenciais. Imóveis em áreas dotadas de saneamento tinham, em 2019, valor médio de locação de R$ 573,96, enquanto os imóveis localizados em zonas sem os serviços tinham aluguel médio de R$ 201,11.
O Brasil precisa ser repensado, ter a realidade mudada o quanto antes, pois sem as iniciativas necessárias, aqui patentes, nenhum político pode subir no palanque para prometer a melhora da vida do eleitor. Investir em saneamento básico não produz obras vultosas nem permite discursos bravateiros, mas salva vidas e acrescenta dignidade à vida do brasileiro.
O Brasil precisa mudar, o Maranhão principalmente!
(*) Waldir Maranhão – médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.
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