(*) Waldir Maranhão
No dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 400 mil mortes por Covid-19, escolher um tema de interesse nacional para analisar é tarefa difícil. A questão da pandemia tem prioridade absoluta nos olhares das autoridades e da população, mas há temas importantes que precisam ser resgatados para que não caiam no esquecimento.
Desde o início do atual governo ficou patente que a questão ambiental poderia se transformar em um grave empecilho para o País na área internacional. O tempo passou e o que era suposição tornou-se uma dura e difícil realidade. Ou o Brasil retoma a proteção ambiental, ou os brasileiros pagarão uma conta dolorosa.
Em artigo anterior abordei o tema ambiental, destacando a necessidade de se rever a política de fiscalização e preservação das florestas, em especial a amazônica, principal pulmão do planeta. No contraponto, passados alguns dias da Cúpula do Clima, o governo ignorou a promessa feita pelo presidente da República de dobrar as verbas destinadas à fiscalização ambiental. E por infortúnio o assunto caiu no esquecimento.
O governo do Pará anunciou recentemente a pretensão de aumentar o rebanho bovino do estado nortista de 15 milhões de cabeças para 46 milhões. Há dias, a equipe do governador Helder Barbalho informou que dará um “selo verde” aos pecuaristas que criarem gado em áreas sem desmatamento.
A iniciativa é aparentemente boa, mas é importante saber se as áreas destinadas à pastagem já não foram objeto de desmatamento ilegal, como quase sempre acontece. O grileiro se instala na terra alheia, desmata a esmo com o apoio financeiro de alguém com interesses escusos, que por sua vez vende a quem interessar a gleba que antes abrigava floresta. E sempre há interessados dispostos a desembolsar valores abaixo dos praticados no mercado legal de terras.
O tal “selo verde” será concedido pelo governo paraense a partir do cruzamento de dados ambientais. A ideia é rastrear os fornecedores diretos e indiretos de bovinos e o registro de desmatamento nas fases de cria, recria, engorda e abate.
Tomando por base a recomendação de se abrigar até dez cabeças de gado por hectare de terra, a meta do governo do Pará de triplicar o rebanho atual do estado exigirá 3,1 milhões de hectares de áreas sem registro de desmatamento. Desconsiderando a necessidade de se fazer rodízio do pasto.
Assim como no meu estado, o Maranhão, que tem rebanho bovino de aproximadamente 13 milhões de cabeças, a atividade pecuária no Pará é classificada como “extensiva”, prática que depreda a natureza. Ou seja, vai na contramão do almejado selo verde anunciado pela equipe de Barbalho.
No momento em que o mercado internacional começa a criar barreiras contra produtos brasileiros que não tenham certificado ambiental, essa ação do governo do Pará chega em boa hora.
Todo governante tem o dever de zelar pelos interesses do seu estado e fazer o máximo para que a economia local progrida, mas é importante não fechar os olhos para a questão social.
Como já mencionei em outros artigos, a pandemia colocou uma enorme e potente lupa sobre a tragédia social que há muito caminha silenciosa Brasil afora.
Os rebanhos paraense e maranhense são antieconômicos, pois estão distantes dos grandes centros de consumo. Resta aos pecuaristas de ambos os estados exportar reses vivas.
Ao exportar gado vivo, o Brasil, pioneiro nesse setor, deixa de ganhar com o chamado valor agregado, algo que acontece com algumas commodities, como minério de ferro e soja, vendidos sem qualquer processamento a outros países.
O valor agregado é importante não apenas para as finanças do Estado, como um todo, mas também para movimentar a economia e gerar emprego e renda. Isso significa reduzir o desemprego e agregar doses de dignidade à vida do brasileiro.
Nos últimos dias, diante do ultimato dos líderes globais que participaram da Cúpula do Clima, o Congresso Nacional decidiu se debruçar sobre o tema como forma de evitar que a crise economia do país piore ainda mais.
O Parlamento brasileiro precisa voltar a atenção para um cenário amplificado da pecuária, criando leis que dificultem a criação extensiva de gado (em pastagem) e delimitem áreas onde é permitida a criação intensiva (confinamento).
O que parece confuso de compreender é, na verdade, muito fácil. Quando o Brasil exporta gado vivo, países que não enfrentam restrições impostas por nações que exigem rastreamento ambiental acabam lucrando com o abate e cortes de carne que atendem os hábitos de consumo do mercado europeu, por exemplo. Esse processo acaba concorrendo competindo com pecuária intensiva do Brasil, que acaba em desvantagem.
Não há dúvida em relação à omissão do governo federal no tocante à fiscalização ambiental, seja por questões ideológicas ou corte de verbas, mas o Congresso pode exercer papel preponderante para que esse cenário mude o quanto antes.
Para tanto, o Parlamento brasileiro precisa passar por um processo de amadurecimento e contar com assessoria de especialistas no assunto, pois estamos a avançar na direção de exploração econômica global da alimentação de toda a humanidade, situação sem precedentes e que poderá perdurar por décadas a fio. Em outras palavras, a disparidade social tende a disparar se nada for feito.
A população precisa reagir à pasmaceira oficial e institucionalizada enquanto é tempo. Como disse o poeta e dramaturgo irlandês Oscar Wilde, “o descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação”. Evoluir ou permanecer estacionado no caos?
(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.
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