Apagando o fogo com pólvora

(*) Carlos Brickmann

Lição de casa

E não é que Bolsonaro tinha razão, ao dizer que quando acaba a saliva a pólvora é que fala? Aparentemente, monta-se um cenário em que, acabada a fase de desconstruir a imagem de Bolsonaro, começa o tiroteio de verdade.

Há dois movimentos paralelos: o primeiro é a CPI da Covid. O Governo vem reagindo com provocações: Flávio Bolsonaro fingindo usar máscara, o Gabinete do Ódio agredindo senadores adversários (até com mensagens de ameaça à família), ataques pesados a Renan Calheiros – que, seja ele o que for, conhece o Senado como poucos. Está errado: o Senado é um clube, e os ataques abaixo da linha da cintura provocam solidariedade. E não sabem com quem lidam: o presidente da CPI, Omar Aziz, que Bolsonaro acha que está no pacote de compra do Centrão, tinha um irmão que morreu de Covid, no Amazonas. Digamos que pelo menos o general Pazuello não terá vida fácil.

O segundo movimento é o acúmulo de forças e a abertura de novas frentes de luta. Há 130 oposicionistas na Câmara; faltam 41 para abrir uma CPI. Aí o ministro Tarcísio de Freitas, próximo de Bolsonaro, resolve ignorar um diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres, ANTT, Weber Ciloni – técnico conceituado, ligado a Baleia Rossi, do PMDB. Ciloni sai do cargo nesta semana. Baleia e Renan, juntos, podem levar o PMDB para a oposição.

Há duas CPIs em mira, ambas na Câmara, uma sobre meio ambiente, área de alta sensibilidade internacional. A vida não se limita a xingar adversários.

O caminho das pedradas

Mesmo antes de outras CPIs, a que começa nesta semana tem potencial para dar dores de cabeça ao presidente. Para ter uma ideia do clima, o senador Omar Aziz ameaça mandar prender, por mentir à CPI, quem defender o uso de remédios não-comprovados, ou nocivos, contra a Covid. Outros temas (são 112): os índios que ficaram sem vacinação; a história real da troca das vacinas de Manaus pelas de Macapá; o motivo que levou o Governo a enviar cloroquina para Manaus quando o que faltava era oxigênio.

E, claro, os depoimentos. Teme-se que o general Pazuello, que até agora preferiu ignorar perguntas e ironizar adversários, tenha problemas quando tiver de responder. Será interessante, digamos, saber sua versão a respeito de ignorar as ofertas de vacinas feitas por laboratórios de prestígio, sem se dar ao trabalho de respondê-las; ou de cancelar a compra de vacinas do Instituto Butantan depois de ter-se comprometido a isso. Há quem tema que Fábio Wajngarten, por ser explosivo, caia em provocações da oposição. Não há motivo para esse temor: Fábio é frio o suficiente para dizer apenas o que julgar necessário, sem cair em provocações. O problema é o que ele vai considerar necessário contar à CPI. Uma história, talvez, de como a Pfizer foi rechaçada quando tentou vender vacinas aqui, para pronta entrega.

Fora do campo

Há ainda a ouvir os ex-ministros Luiz Mandetta e Nelson Teich, ambos contra remédios que não davam certo, ambos favoráveis à vacinação maciça e à testagem do maior número possível de pessoas; ambos contrários a juntar gente, a andar sem máscaras, tudo aquilo a que se dedicava o presidente. E o clima externo também não é favorável às teses de Bolsonaro: na quinta, 29, a 6ª Vara Cível Federal de São Paulo determinou, em liminar, que o Governo não patrocine publicidade referente a remédios sem eficácia comprovada contra a Covid, incluindo expressões como “tratamento precoce” e “kit Covid”. A União alegou que a propaganda procurava estimular a população apenas a procurar atendimento médico sem demora, e não a usar remédios não-comprovados. Ou seja, quando Bolsonaro ofereceu cloroquina até às emas do Palácio, seu objetivo era convencer a população a buscar tratamento.

Mas que as emas o bicaram, bicaram.

Lição de casa

CPI todos sabem como começa, ninguém imagina como acaba. Às vezes é difícil engolir uma derrota. Mas é interessante lembrar um fato histórico, ocorrido com um fiel aliado de Bolsonaro, o presidente Collor. Na véspera da votação do impeachment, o deputado paranaense Onaireves Moura, da tropa de choque do presidente Collor, foi visitá-lo para dizer que tinha um problema a resolver no Paraná e não estaria presente à votação. No dia seguinte, pegou o avião e saiu de Brasília. Mas, previdente, escolheu um voo com escala em São Paulo. Soube que o impeachment ganharia com folga.

Pegou o avião de volta para Brasília, foi ao plenário e votou contra Collor.

Calado é um poeta

Paulo Guedes abriu a boca de novo. Falou mal da China, maior parceiro comercial do Brasil (“o chinês inventa um vírus, os americanos fazem vacina melhor que a deles”).

E atacou o FIES, porque até o filho do porteiro do seu prédio foi aprovado com média zero. Fake, ministro. Se a média fosse zero, a faculdade inescrupulosa, louca para preencher mais uma vaga com dinheiro público, não deixaria rastros: colocaria outra média qualquer.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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