Após a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro no período democrático, que deixou ao menos 25 mortos na favela do Jacarezinho na quinta-feira (6), moradores e ativistas denunciaram execuções e excessos cometidos por policiais, como invasões de casas.
A ação da Polícia Civil ocorreu após denúncia sobre suposto aliciamento de menores e sequestro de trens ferroviários da empresa SuperVia pelo Comando Vermelho, a maior facção do tráfico de drogas no estado. De acordo com o balanço da operação, morreram um policial civil e 24 pessoas, classificadas como “criminosas”, sem que provas tenham sido apresentadas. De um total de 21 mandados de prisão, apenas três foram cumpridos, já que outros três tiveram os alvos assassinados.
Imagens de TV mostraram um helicóptero sobrevoando a comunidade e policiais armados com fuzis saltando de telhado em telhado. Foram cerca de nove horas de terror para quem vive na favela, com o fechamento do comércio, de escolas e centros de saúde e vacinação.
Moradores denunciaram a execução de suspeitos durante a ação. Defensores públicos afirmaram que relatos e imagens capturadas por moradores e jornalistas indicam que houve execuções sem que fosse dada a chance de os suspeitos se renderem.
“Estão encurralando. Não querem deixar os meninos se entregarem”, denuncia uma residente em um vídeo, mostrando um policial. Outra moradora descreveu como uma idosa foi retirada da sua casa para que um homem fosse morto, classificando a ação de “uma covardia”.
“A favela está toda perfurada, tem cano vazando em toda a favela, tem sangue derramado em toda a favela. Hoje de manhã tinham corpos jogados na casa de moradores, nas ruas, em todos os lugares”, relatou outra residente, citada pelo Jornal Nacional.
Uma moradora da favela do Jacarezinho disse à agência de notícias Associated Press (AP) que um homem entrou em sua casa por volta das 8 horas da manhã, sangrando após ser baleado. Ele se escondeu no quarto da filha dela, mas a polícia logo veio atrás dele. Ela e a família assistiram aos policiais atirando no homem desarmado.
Após o fim da Operação Exceptis, cerca de 50 residentes de Jacarezinho acompanharam membros da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal que conduziram uma inspeção na favela. Os moradores gritavam “justiça”, batiam palmas e levantavam o punho direito para o alto.
Falta de inteligência policial
Independentemente de os alvos da operação policial terem algum tipo de envolvimento com grupos criminosos, não se combate a ilegalidade dessa maneira, com excesso de brutalidade, em especial em área densamente povoada. É preciso recorrer à inteligência policial para enfrentar os criminosos que se movimentam na seara do ilícito sem a burocracia estatal.
Não obstante, justificar a ação com o discurso fácil de que os mortos eram “bandidos”, como fizeram autoridades de segurança do Rio de Janeiro e o próprio vice-presidente da República, Hamilton Mourão, sem apresentar qualquer evidência ou prova, mostra que a ação perdeu o controle quando um policial morreu em meio ao tiroteio.
Reza a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Em que pese o fato de as vítimas da chacina da favela do Jacarezinho serem suspeitas de cometimento ou envolvimento em algum crime–, não cabe a matança que indignou o País e ganhou o noticiário internacional.
Às forças de segurança do Estado não cabem a prerrogativa de julgar e condenar, mas de promover a segurança e combater o crime. Essa atribuição é do Judiciário, sempre respeitado o princípio da presunção de inocência.
A declaração do delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário operacional da Polícia Civil do Rio de Janeiro, de que a decisão do STF de limitar ações policiais em comunidades durante a pandemia é “ativismo judicial” beira o deboche e configura provocação descabida.
No tocante à necessária comunicação prévia ao Ministério Público, como determina o STF, essa informação aconteceu por volta das 9 horas da manhã de quinta-feira, sendo que a ação policial foi iniciada
três horas antes.
Milicianos e bicheiros
Causa estranheza o fato de a operação realizada na favela do Jacarezinho ter alcançado um desfecho estarrecedor, enquanto as milícias agem impunemente em áreas desassistidas do Rio de Janeiro e sem serem importunadas pelas mesmas forças de segurança pública. O mesmo acontece com os bicheiros, que fazem de tudo em seus domínios, muitas vezes com a convivência criminosa da polícia. Em muitos casos, policiais fazem parte dos grupos criminosos que ameaçam e extorquem diuturnamente os mais pobres.
O UCHO.INFO não está a defender criminosos e traficantes, pelo contrário, mas cobra do Estado, como um todo, o respeito à legislação e ao direito de cada cidadão de ser tratado com doses mínimas de dignidade pelos agentes públicos. A baliza para esse tratamento, que deve ser isonômico, não pode ser a condição social de cada um, mas, sim, o império da cidadania.
Sobre a ocupação de moradias durante a Operação Exceptis, é importante destacar que em casos de perseguição policial não se pode falar em invasão de domicílio, caso o perseguido se refugiar no local. Do contrário, se o investigado estiver em determinada residência e o local for invadido, prevalece o que determina o artigo 150 do Código Penal Brasileiro.
A investigação do caso não pode ficar a cargo da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que é polo passivo, mas a algum órgão independente que tenha isenção para apurar as condições em que ocorreram as mortes e como se deu a invasão e ocupação das residências. (Com agências de notícias)
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