Educação de qualidade e para todos é a única tábua de salvação do Brasil

 
(*) Waldir Maranhão

Enquanto escândalos e polêmicas jogam uma cortina de fumaça sobre a atividade política, avança no Parlamento a proposta que institui no país o “home schooling” (educação domiciliar, em tradução literal) e define algumas regras para essa atividade educacional.

Como sempre destaco nos artigos, minha preocupação com a Educação no Brasil e permanente, pois somente com ensino de qualidade a população terá condições de alcançar doses de dignidade de vida.

Uma das promessas de campanha do atual presidente da República, a educação domiciliar é mais um capítulo de tragédia social que muitos preferem não enxergar.

A educação domiciliar, de acordo com a proposta que tramita no Congresso, poderá ser aplicada de duas maneiras: ou os pais oferecem o conteúdo aos filhos ou contratam um professor particular para aplicá-lo.

Essas duas modalidades deixam claro que a educação domiciliar, quando legitimada, será privilégio de ínfima minoria.

Primeiro porque, no caso de oferecimento de conteúdo, poucos têm condições de ensinar os filhos, já que o grau de conhecimento da maioria população é raso.

Em segundo lugar, no caso de a educação domiciliar ser aplicada por professor particular, a linha de corte será ainda mais alta, pois envolverá recursos financeiros adicionais. Em um país que há anos está mergulhado em grave crise econômica, com o desemprego em alta e o poder de compra dos salários cada vez menor, apenas os aquinhoados poderão fazer tal escolha.

O projeto sobre educação domiciliar que tramita no Congresso traz entre as exigências a necessidade de o aluno estar matriculado em uma escola e a obrigatoriedade de realização de exames e provas de acordo com o calendário da instituição de ensino. Isso significa que os gastos aumentam na mesma proporção dos riscos.

A defesa da educação domiciliar está contaminada por discursos marcados por destemperos ideológicos, que enxergam na modalidade atual de ensino um processo de esquerdização. O que não é verdade!

Lamentavelmente, o Brasil foi tomado pela falsa ideia de que todo aquele que se preocupa com as questões sociais é comunista. Para início de conversa, o comunismo, como movimento ideológico, acabou há décadas, ou seja, é puro devaneio dos radicais do conservadorismo míope.

Se nos dias de hoje a educação brasileira carrega um fosso que separa de maneira covarde e impiedosa ricos e pobres, o ensino domiciliar há de aumentar essa disparidade.

Destaco que o problema maior, em si, não está no conteúdo a ser oferecido nas escolas físicas ou na educação domiciliar, que terá de seguir as balizas da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Do contrário, as famílias perderão o direito a essa modalidade de ensino.

Por mais que uma minoria defenda a educação domiciliar – seja por ideologia, seja por comodismo –, não se pode negar o importante e imprescindível papel da escola na formação de cidadãos. Esse é o ponto mais importante, relegado a segundo plano nas discussões sobre a nova modalidade de ensino. E um povo só avança como nação quando existe sob o império da cidadania, algo escasso no nosso Brasil. Como disse o filósofo grego Aristóteles, “educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”.

Enquanto a educação brasileira tenta se desvencilhar dos devastadores efeitos da pandemia, que isolou milhões de estudantes pela falta de acesso à tecnologia, o gabinete paralelo que funciona no Palácio do Planalto avalia a possibilidade de gastar US$ 15 milhões por ano para utilizar um programa espião com o objetivo de monitorar adversários e opositores do governo e do presidente da República.

A Constituição Federal de 1988 garante a todo cidadão o direito à privacidade, mas o governo, que insiste em ignorar as leis, preocupa-se em difundir a teoria da conspiração, a radicalização política e cizânia da sociedade.

Diante de um orçamento depauperado, o governo deveria se preocupar em buscar alternativas para a educação, caminho que forma cidadãos comprometidos com ao país e garante dignidade a cada cidadão, aumentando as chances de alcançar um emprego condizente com suas necessidades.

Em um país onde três a em cada dez jovens e adultos de 15 a 64 anos – cerca de 38 milhões de pessoas – são considerados analfabetos funcionais, discutir a educação domiciliar é ignorar a dura realidade.

A preocupação aumenta em relação ao cenário educacional brasileiro quando nos deparamos com números assustadores: dos 29% dos brasileiros considerados analfabetos funcionais, 8% são analfabetos absolutos (não conseguem ler palavras e frases), enquanto 21% estão no nível considerado rudimentar (não localizam informações em um calendário, por exemplo).

Conceitualmente não sou contra a educação domiciliar, mas, recorrendo à analogia, não se pode construir o telhado de uma casa sem que os alicerces estejam concluídos. Insistir nessa tese é sonhar com o impossível, é dar as costas aos abandonados pelo Estado.

Recorro ao filósofo francês Louis de Bonald (1754-1840), que afirmou: “A cultura forma sábios; a educação, homens”. O Brasil precisa formar homens comprometidos com o amanhã, não uma minoria que ignora o presente e renega o futuro.

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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