CPI da Covid: diretor do Instituto Butantan diz a senadores que Bolsonaro foi entrave à vacina

 
O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse nesta quinta-feira (27) em seu depoimento à CPI da Covid, no Senado federal, que o Brasil poderia ter sido o primeiro país a iniciar a vacinação contra a Covid-19. Segundo ele, entretanto, isso não aconteceu por entraves para fechamento do contrato entre o instituto e o governo federal.

O Butantan produz no Brasil a vacina CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e que atualmente é o imunizante contra o novo coronavírus que mais foi aplicado no Brasil.

A CoronaVac foi alvo de intensa disputa política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Dória Júnior (PSDB). Bolsonaro atacou o imunizante diversas vezes em 2020, chegando a afirmar que seu governo não compraria vacina chinesa. O presidente da República chegou até a comemorar a suspensão dos testes clínicos da vacina, que foram posteriormente retomados.

Em seu discurso de abertura, Covas afirmou que o Butantan ofereceu 60 milhões de doses da CoronaVac ao Ministério da Saúde em julho 2020, mas que não obteve resposta, tendo feito uma nova oferta de 100 milhões de doses, com possível de entrega de 45 milhões até o final de 2020.

Conversas pararam após fala de Bolsonaro

Covas relembrou, durante o depoimento, reunião em realizada em outubro de 2020 com o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Na ocasião, o ministro anunciou que compraria doses da CoronaVac. O diretor do Instituto Butantan disse que as conversas não prosseguiram porque houve uma manifestação do presidente Jair Bolsonaro.

Um dia após o Ministério da Saúde afirmar que compraria 46 milhões de doses da vacina produzida pelo Butantan, Bolsonaro desautorizou publicamente Pazuello e disse que a compra não seria realizada. Covas rebateu a declaração de Pazuello de que as ações de Bolsonaro em 19 de outubro contra a compra não teriam tido impacto na negociação.

“Após o dia 20 de outubro, isso foi absolutamente interrompido. De fato, nunca recebi um ofício dizendo que a intenção de compra feita no dia 19 [de outubro] não era mais válida, mas, na prática, não houve consequência. A consequência foi no dia 7 de janeiro, e mesmo assim em detrimento de outras iniciativas que não eram certo. A houve a tentativa de trazer vacina da Índia, que não foi bem sucedida. Houve a dificuldade da própria AstraZeneca [que produz vacina em parceria com a Fiocruz]. Naquele momento, a única vacina disponível era a do Butantan”, disse Covas.

Dimas Covas disse que a demora em um acordo contratual com o governo federal causou “frustração”, já que o governo federal é o único cliente do Instituto Butantan. O contrato para compra do imunizante acabou sendo firmado em janeiro de 2021, seis meses depois que o Butantan fez a primeira oferta.

“Óbvio que isso causa uma frustração da nossa parte. Voltamos ao Butantan e continuamos o projeto. Mas aí já com algumas dificuldades. A inexistência de um contrato com o ministério, que é nosso único cliente, colocava uma incerteza em termos de financiamento. E já tínhamos contratado com a Sinovac uma parte importante do projeto”, afirmou o diretor do Butantan.

 
“Butantan tinha 5,5 milhões de doses em dezembro”

“O mundo começou a vacinar no dia 8 de dezembro. No final de dezembro, o mundo tinha aplicado mais de 4 milhões de doses, e tínhamos no Butantan 5,5 milhões, e mais 4 milhões em processamento. Sem contrato com o ministério” disse Covas. “Nos podíamos ter começando antes? O Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a iniciar a vacinação, se não fossem esses percalços, tanto contratuais como de regulamentação”, completou.

Dimas Covas também disse que o Instituto Butantan pediu apoio ao governo federal em julho para financiar testes de vacina e reformar uma fábrica, mas também ficou sem resposta. Ele ressaltou que o Butantan financiou sozinho o desenvolvimento do imunizante até outubro.

O diretor do instituto afirmou aos senadores que declarações contra a China feitas por autoridades do governo federal e pessoas próximas ao presidente da República prejudicaram a obtenção da matéria-prima para a produção de vacinas contra Covid-19. O país asiático é o maior exportador global dos insumos.

O diretor do Butantan afirmou que o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, teria ficado inconformado com essas críticas. “O embaixador da China deixou muito claro: que posições que são antagônicas, que desmerecem a China, causam inconformismo do lado chinês”, disse Covas.

Atritos com China prejudicaram envio de insumos

“Isso se reflete nas dificuldades burocráticas. Eram resolvidas em 15 dias. Agora, [demora] mais de mês. Nós, que estamos na ponta, sentimos isso. Negar isso não é possível”, explicou.

‘Tínhamos o compromisso de entregar 12 milhões de doses em maio, e entregamos 5 milhões. A produção foi retomada com a chegada da nova matéria prima, e vamos entregar 6 milhões a partir de 12 de junho. Houve 7 milhões de doses que poderiam ter sido produzidas e entregues em maio, de acordo com o cronograma inicial”.

As críticas contra o principal parceiro comercial do Brasil são apontadas por analistas e membros da oposição como motivo para o atraso do envio de insumos da Coronavac.

Declarações feitas pelo ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, pelo filho do presidente e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), além do próprio Jair Bolsonaro, geraram atritos com Pequim.

Bolsonaro insinuou em algumas ocasiões que o novo coronavírus teria sido criado propositalmente pela China. Seu filho, Eduardo, acusa o gigante asiático de esconder informações sobre a doença. Suas declarações geraram reação indignada da representação diplomática chinesa no Brasil.

Já o ex-ministro Ernesto Araújo publicou um texto em seu blog, em abril de 2020, no qual afirmava que o novo coronavírus seria, na verdade, parte de um plano comunista para conquistar o planeta.
Na ocasião, ele descreveu esse plano como “comunavírus”, que seria uma conspiração “comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado”.

Contudo, ao depor na CPI na última semana, Araújo afirmou que jamais promoveu atritos com a China. “Não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito como antichinesa”, afirmou o ex-chanceler. (Com agências de notícias)

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