(*) Ucho Haddad
Levantar depois do nocaute imposto pelo coronavírus não está sendo tarefa fácil. Se a doença não me alcançou de maneira tão grave, ainda bem, ter tomado a primeira dose da vacina foi preponderante. Mesmo assim, a dificuldade tem se feito presente em todos os momentos. É como se algo maior me empurrasse para trás, para baixo, me impedisse de recobrar a força. Tenho tentado ao máximo manter a pena em movimento, mas nem sempre é possível.
Apesar da minha briga contra os efeitos colaterais de um inimigo invisível, não poderia ignorar a manobra criminosa do governo para adquirir imunizantes indianos. Jornalismo sempre foi, é e continuará sendo minha crença maior. Jamais exerci o jornalismo para conquistar prêmios e receber elogios aqui e acolá. Fora do tamanho padrão, minha cabeça não tem espaço para louros e coroas. Estou jornalista porque acredito na importância de se levar a melhor e mais certeira informação à sociedade. Somente assim é possível proteger a democracia.
Ao longo dos últimos vinte anos, desde meu retorno ao Brasil, a concorrência no campo jornalístico foi cruel, dedicando-me em vários momentos ataques sórdidos e marcados pela inveja. Sensação de superioridade não existe no meu dicionário nem faz parte da minha maneira de ser e de viver. Em muitas ocasiões abri mão de trabalhos jornalísticos para socorrer colegas de profissão que tinham metas a cumprir. De duas uma: ou dá-se as mãos ou vira-se as costas. Aliás, uma porta aberta com humildade abre outras mais. Além disso, na divisão é que se multiplica.
A covardia foi tamanha, que até de esquizofrênico fui chamado por alguns desqualificados que insistem em posar como gênios da escrita. Diziam os detratores da honra alheia que minha necessidade era criar um inimigo novo a cada dia para ter com quem guerrear. Apenas porque o tirocínio jornalístico sempre me acompanhou. Não tenho culpa se antecipei fatos e escândalos.
O tempo foi meu aliado, minha dedicação ao ofício de jornalista foi a melhor resposta. Escreveu em “Poeminho do Contra” o genial e saudoso Mario Quintana: “Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão… Eu passarinho!”. Grande Quintana!
Voltando ao imbróglio da vacina indiana… Desde janeiro de 2017 tenho alertado para a nefasta atuação de Ricardo Barros, atual líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, no Ministério da Saúde. De novo no olho do furação, Barros agora tenta sem sucesso escapar da culpa, mas não posso ignorar o conteúdo das reuniões na Saúde em que meu nome foi citado de maneira torpe pelos vis que tentavam protagonizar mais um descalabro com a chancela do Estado. Resisti como jornalista, venci como cidadão.
Hoje, após mais uma sessão da CPI da Covid, talvez a mais contundente e retumbante, profissionais de imprensa ousaram surgir em cena como profetas do apocalipse, os donos da verdade suprema. Analisam os fatos como se há muito se dedicassem ao tema, o que não é verdade. Não quero lugar no panteão da glória, pelo contrário, até porque meu papel como jornalista é informar, mas creio que a verdade deve prevalecer.
Aos senadores da CPI da Covid os depoentes afirmaram que o presidente da República, quando informado sobre as pinceladas de corrupção no caso Covaxin, citou o nome de Ricardo Barros como responsável pelo “rolo”. Muito antes de o presidente tomar conhecimento do caso, afirmei que era preciso estar atento aos movimentos de Barros no escopo da medida provisória que viabilizou a compra das vacinas Sputnik V e Covaxin.
Aliás, quando Bolsonaro se apresentou como candidato ao Palácio do Planalto, em 2018, embalado por um discurso mentiroso e marcado pelo falso moralismo, afirmei, sem medo de errar, que o agora presidente era – e continua sendo – o que se conhece como “mais do mesmo”. Paguei preço caríssimo por tal afirmação, mas não abri mão das minhas certezas. Afinal, depois de mais de quatro décadas de jornalismo político pode-se ter dúvidas, mas jamais errar. O tempo tem sido senhor da razão.
Quando Bolsonaro agarrou-se ao Centrão para salvar a própria pele e o mandato presidencial, também afirmei que a aliança era espúria e ressuscitaria um “toma lá, dá cá” que sempre esteve presente no Parlamento. Às vezes mais acintoso, às vezes menos, mas sempre presente.
Postura idêntica adotei quando o presidente escolheu Ricardo Barros como líder do governo. Da mesma forma reagi quando o parlamentar tentou enquadrar os diretores da Anvisa, que decidiram resistir à pressão de um político profissional e desqualificado.
Como sempre destaquei – e continuo destacando –, política no Brasil se faz à sombra de muito dinheiro, na maioria das vezes de origem duvidosa, e na esteira de interesses escusos. No governo Bolsonaro a situação não é diferente, mesmo que os milicianos de plantão neguem o óbvio. Mais densa, a cortina de fumaça impede que os incautos enxerguem a dura realidade.
O escândalo em voga passa de forma antecipada pelas eleições de 2022 – presidencial e estaduais. E os interessados já começam a se movimentar nos bastidores para costurar apoios e “passar a sacolinha”. Não obstante, quadrilheiros que não mais têm mandato continuam dando as cartas nos subterrâneos do poder. Quem conhece minimamente a política verde-loura sabe que tenho razão. Resta saber até quando resistirão à pressão.
Com fé e esperança inabaláveis ainda batalho contra as sequelas deixadas por um inimigo voraz e invisível, mas encontrei força para, retomando a pena, lembrar que “eu avisei” com larga antecedência. De novo a sensação é de dever cumprido. Avante!
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.
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