Justiça brasileira precisa estar atenta ao dinheiro utilizado em arrematações e leilões judiciais – Parte II

 
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Cortina de fumaça

Possivelmente sem o conhecimento do magistrado responsável pelo caso, a venda do bem penhorado – e com penhoras anteriores – ingressou em terreno que gera questionamentos.

Em tempos de crise econômica, como a que enfrenta o Brasil há anos, desembolsar o valor equivalente à avaliação do bem (mais de R$ 45 milhões) é privilégio de uma minoria. Além disso, deve-se considerar o fato de que a arrematação do bem certamente será alvo de demandas judiciais posteriores e marcadas por interposição de recursos.

É nesse exato ponto que entra em ação o escritório do advogado Rinaldo Lotti, que em sítio eletrônico afirma ser sua missão “tornar a aquisição judicial de imóveis uma forma de investimento imobiliário segura para os seus clientes, lançando mão de estratégias específicas, exclusivamente desenvolvidas por seus experientes colaboradores, que trazem uma bagagem de mais de três décadas de atuação bem sucedida.”

Voltando na linha do tempo… Na matéria publicada em 18 maio de 2011 (clique e confira a íntegra da reportagem), quando tratamos de caso judicial envolvendo o leilão do mesmo imóvel que agora nos leva a retomar o tema, destacamos, com base em notícias veiculadas anteriormente pela imprensa:

“Figura fácil nas coxias das arrematações, Rinaldo Lotti é conhecido no bacharelato paulistano como agente de construtoras e especuladores imobiliários, que aproveitam a fragilidade das minúcias da lei para destruir famílias, aniquilar histórias laborais, corroer sonhos longevos e abduzir covardemente o patrimônio alheio.

No rol de clientes de Rinaldo Lotti aparece, direta ou indiretamente, a AGRA Incorporações Imobiliárias, resultado da fusão de três outras empresas do setor, a Abyara, CEGG, Klabin-Segall. As duas primeiras (Abyara e CEGG) foram alvo da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investigou crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.”

“Aquisição judicial”

Como se tivesse incorrigível obsessão pelo imóvel objeto de penhora e leilão, o advogado Rinaldo Lotti arquitetou uma forma criativa de o bem ser arrematado por seus aludidos clientes.

Em petição juntada em 30 de março de 2021 ao processo que tramita na Justiça do Trabalho de Tanabi, o advogado Lotti está qualificado como procurador da empresa Nice River Participações e Investimentos Ltda., que, supõe-se, apresentou a proposta vencedora na “venda direta” realizada pela Galeria Pereira.

Até aqui nada de extraordinário chama a atenção, a não ser o fato de a empresa “Nice River” ter sido constituída em 4 d dezembro de 2020, seis dias antes da apresentação de proposta na “venda direta”.

Na data da constituição da “Nice River”, aparecia como sócio único e detentor de 100% do capital inicial de R$ 10.000,00 (dez mil reais), Jaky Diwan, que saiu da sociedade em 12 de março de 2021, conforme registro na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp).

Por ocasião da alteração contratual, em 12 de março de 2021, a “Nice River” alterou o capital social para R$ 12.000,00 (doze mil reais), sendo os sócios entrantes: 1) JD PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA., representada pelo mesmo Jaky Diwan; 2) HACOY PARTICIPAÇÕES LTDA., representada por Hani Naain Ayache; 3) KR PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS LTDA., representada por Walid Kamel Ayache; 4) CAPRI EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., representada por Nemetallah Boutros El Khoury; 5) PHANTOM PARTICIPAÇÕES EIRELI, representada por Isaac Hamoui; 6) WAEK ADMINISTRAÇÃO DE BENS PRÓPRIOS LTDA., representada por Wang Yu Chieh; 7) VAB ADMINISTRAÇÃODE BENS PRÓPRIOS LTDA., representada por Valdemar Bezerra Bessa; 8) TRASORELLE IMÓVEIS E PARTICIPAÇÕES LTDA., representada por Marcel Akkari; 9) E.A. IMÓVEIS E PARTICIPAÇÕES LTDA., representada por Ely Akkari; 10) SCAECAE HOLDING EIRELI, representada por Elias Youssef Karam; 11) MESQUITAS EMPREENDIMENTOS LTDA., representada por Tiago Silveira Mesquita e André Silveira Mesquita. Os novos sócios da “Nice River” dividiram o capital social de forma igualitária (R$ 1 mil para cada) e nomearam Wysan Kamel Ayache como administrador da empresa.

Lupa na mão

Leilões judiciais sempre foram marcados por polêmicas e enredos que normalmente não fecham, já que o segmento desperta a cobiça obnubilar e desmedida de alguns, talvez de muitos.

Causa espécie o fato de a empresa “Nice River” ter sido criada no apagar das luzes de 2020, dias antes da proposta apresentada ao corretor Adílio Gregório Pereira (Galeria Pereira), responsável pela “venda direta”, que, segundo consta de documento anexado aos autos, os lances deveriam respeitar o valor integral da avaliação (R$ 45.315.000,00).

É nesse ponto que cabe a principal pergunta: como uma empresa com capital de R$ 12 mil pode oferecer proposta no valor de R$ 45 milhões para a aquisição de um imóvel penhorado e adjudicado por outros credores anteriormente.

Nossa experiência no jornalismo investigativo, reforçada por denúncias que ajudaram sobejamente na elucidação do Mensalão do PT, outras que possibilitaram as primeiras investigações que desaguaram na Operação Lava-Jato – trabalho reconhecido por integrantes do Ministério Público Federal (MPF), deputados federais e senadores – e mais recentemente denúncia que levou ao encerramento do maior grupo de franquias da operadora de telefonia Oi, nos obriga a questionar a origem do dinheiro disponibilizado para a mencionada alienação do imóvel.

 
Não se trata de colocar em xeque a idoneidade dos sócios da “Nice River” e seus representantes, pelo contrário, mas é mister que a Justiça do Trabalho em Tanabi, por meio do magistrado responsável pelo respectivo processo, cobre dos arrematantes explicações sobre o tema. Talvez seja o caso de acionar os órgãos competentes para dirimir a dúvida (Receita Federal e Coaf). Afinal, a folclórica cegueira da Justiça não pode ser impeditivo para a transparência.

Fechar os olhos para essa questão, que está a anos-luz de ser mero detalhe, é permitir que em outros casos, similares ou não, recursos sem comprovação de origem sejam utilizados na alienação de bens penhorados, o que de alguma forma abre caminho para pessoas com intenções questionáveis.

Aproveitamos o ensejo para destacar trecho da obra “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, do escritor e romancista irlandês Clive Staples Lewis (conhecido como C.S. Lewis), em que o demônio Fitafuso instrui seu sobrinho ao ofício da tentação humana.

“A castidade, a honestidade ou a misericórdia que cedem à ameaça serão castas ou honestas ou misericordiosas apenas sob certas condições. Pilatos foi misericordioso até o momento em que a situação começou a ficar perigosa”, escreveu C.S. Lewis.

Como citado anteriormente, o fato de o Direito brasileiro ser baseado no Direito romano e o congestionamento processual existente na Justiça do País impedem que seus representantes atentem para tudo, quando na verdade devem ser provocados para tal.

Nos Estados Unidos, por exemplo, mais precisamente no estado da Flórida, o pagamento de fiança, que na prática é prestada por agente credenciado pela Justiça local, só é aceito se o beneficiário da medida conseguir provar a origem dos recursos ou dos bens utilizados para tal. Do contrário, a fiança é suspensa.

Fica a sugestão para o Judiciário brasileiro passar a exigir tal comprovação, o que certamente impediria muitas operações de branqueamento de capitais. Não obstante, casos como o em pauta deveriam entrar no radar da Receita Federal do Brasil (RFB). Até porque, um cidadão comum quando ousa sacar R$ 10 mil na boca do caixa precisa comunica a instituição bancária com antecedência, sendo que a transação é informada aos órgãos competentes.

Para concluir, exaltando a memória do nosso Águia de Haia, recorremos a histórica frase do grande Ruy Barbosa: “Atrás da anonímia se alaparda a covardia, se agacha o enredo, se ancora a mentira, se acaçapa a subserviência, se arrasta a venalidade.”

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