Justiça brasileira precisa estar atenta ao dinheiro utilizado em arrematações e leilões judiciais – Parte I

 
Um povo só passa a existir como nação a partir do momento em que se submete a um ordenamento jurídico. É sobre esse alicerce que se ergue o Estado de Direito, sistema institucional em que o indivíduo e o Estado, em todas as suas instâncias, se submetem ao império da lei. Ou seja, no Estado de Direito prevalece o respeito às normas e aos direitos fundamentais.

Infelizmente, no Brasil a hermenêutica tem servido para, flexibilizando a interpretação das leis, atentar contra o conjunto legal e o Estado Democrático de Direito, situação que não invalida o direito constitucional ao contraditório, assim como garante o direito ao devido processo legal e à ampla defesa. Nesse movimento hermenêutico abre-se uma lacuna interpretativa, mas sempre há de prevalecer a lei e seus regramentos.

É nesse limbo com que convivemos de forma quase consentida que o Judiciário acaba criticado pela opinião pública. Contribui para esse cenário o fato de o Brasil ter adotado como base o Direito romano (com algumas influências do Direito germânico), que de chofre permite a interpretação filosófica do ordenamento jurídico. Nesse cenário, as decisões muitas vezes fogem ao entendimento dos reles mortais.

Sabem os leitores que este portal defende o garantismo jurídico como sustentáculo de uma sociedade livre e democrática, onde o tratamento isonômico não distingue pessoas, físicas ou jurídicas, aquinhoadas ou não.

Justiça, entendemos, faz-se com justiça, não com base na Lei de Talião, do “olho por olho, dente por dente”. Como disse o advogado indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), especialista em ética política, “olho por olho, e o mundo acabará cego”.

Com mais de 80 milhões de ações judiciais em tramitação no País (dados de 2017), a extensa maioria na primeira instância, o Judiciário brasileiro, em virtude desse congestionamento processual, acaba criando, sem querer, brechas para oportunistas de plantão.

Esse introito serve para ilustrar conceitualmente o ziguezaguear de plantonistas da esperteza que, movidos por ganância torpe, acabam manchando a imagem do Judiciário. Não se trata de repudiar decisões judiciais, pelo contrário, mas de analisar os meandros que surgem após a batida do martelo, não sem antes defender o direito à contestação.

No radar

A presente matéria tem origem em outra publicação deste site de notícias, datada de 18 de maio de 2011, portanto há dez anos. Na ocasião focamos no que é comumente conhecido nos bastidores como “máfia dos leilões judiciais”, grupo seleto no qual a participação só é permitida a quem se submeter às regras do jogo, nem sempre republicanas.

Nosso foco atual é um processo da Justiça do Trabalho que culminou em leilão judicial de imóvel levado à hasta pública dez anos atrás. No centro de ambas as operações que antecederam os leilões está o mesmo escritório de advocacia (Rinaldo Lotti), que em sua página na internet afirma ser especializado em “alienações judiciais”, preferencialmente as “emblemáticas”.

 
Apenas a título de informação, o Dicionário Aurélio traz como sinônimo de “emblemático” o vernáculo “umbrátil”, cujos significados são: 1) “que não possui luminosidade; sem luz; sombrio ou umbrático”; 2) “cuja interpretação é obscura (por enigmas); que não é claro; obscuro”. 3) “resultado da imaginação; quimérico”.

Decidimos nos ater a “obscuro” e “quimérico”, pois é disso que trataremos a seguir.

O que manda a lei

De acordo com o artigo 880 do novo Código de Processo Civil, quando o leilão do bem penhorado não chega a termo, o mesmo pode ser alienado através de venda direta, por iniciativa do próprio patrono da causa (exequente) ou por intermédio de corretor ou leiloeiro público credenciado junto ao Judiciário.

Destarte, cabe ao executado o direito de remir a execução antes da efetiva alienação do bem penhorado (artigo 826 do CPC).

Como citado, o congestionamento processual no Judiciário brasileiro, em especial na Justiça do Trabalho, impede que os magistrados atentem para detalhes importantes, que só vêm à tona e são analisados quando o juízo é provocado. Aliás, a Justiça só entra em cena quando provocada.

O caso

Uma dívida trabalhista questionada na Justiça de Tanabi, cidade do interior de São Paulo, culminou na penhora de imóvel localizado na capital paulista e com penhoras anteriores e com adjudicação de outros credores.

Em que pese a preferência que a lei e a Justiça impõem às dívidas trabalhistas, o credor tem interesse em ver o caso solucionado e receber aquilo que lhe é supostamente devido. Alienar um bem alvo de disputas jurídicas longevas e penhoras anteriores não atende ao interesse do reclamante, que corre o risco de não alcançar seu objetivo por conta das demandas judiciais.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a regra contida no artigo 797 CPC (Código de Processo Civil) deve prevalecer, estando claro que terá preferência o credor que primeiro lavrar o auto de penhora em sua execução, não importando quem foi o primeiro a fazer o registro na matrícula em cartório.

No caso em questão, o imóvel, avaliado em R$ 45.315.000,00 (quarenta e cinco milhões, trezentos e quinze mil reais) não foi arrematado na hasta pública, sendo ofertado por venda direta através do corretor imobiliário Adílio Gregório Pereira (Galeria Imóveis), como especificado em documento endereçado à Justiça.

De acordo com o referido documento, o responsável pela venda direta do imóvel em questão só aceitaria ofertas iguais ou maiores que a avaliação, ou seja, R$ 45.315.000,00. (CONTINUA…)

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