Enquanto a CPI da Covid prioriza escândalos, apenas 12,5% dos brasileiros receberam duas doses da vacina

 
Palanque político, a exemplo de tantas outras Comissões Parlamentares de Inquérito, a CPI da Covid está a perder tempo com um “atravessador de vacinas” que, como agente de empresa norte-americana que até antes da pandemia atuava no setor da construção civil, tentou vender ao Ministério da Saúde 400 milhões de doses de imunizantes que sequer tinha garantia de fornecimento.

O dono da Davati Medical Supply na melhor das hipóteses tem algum contado de nível médio na farmacêutica AstraZeneca, que já negou participação direta ou indireta no caso envolvendo o Ministério da Saúde. Além disso, caso seja comprovada a tentativa de corromper autoridades brasileiras, o proprietário da empresa terá sérios problemas com a Justiça dos Estados Unidos, como alertamos em matéria anterior.

O Brasil, como sempre afirmamos, é um país “sui generis”, pois um agente do Estado ousa cobrar propina para o fornecimento de produto que o vendedor sequer tem. Muito estranhamente, a CPI da Covid tem alcançado audiência como se fosse um “reality show”. Bom para os políticos, péssimo para a população.

A sociedade deve cada vez mais se interessar pelas questões políticas, pois somente dessa forma é possível proteger e fortalecer a democracia, mas em meio ao escândalo das vacinas é importante ressaltar que até agora apenas 26 milhões de brasileiros, 12,5% da população, foram completamente imunizados, ou seja, receberam duas doses.

De nada adianta pressionar o governo exclusivamente no âmbito dos escândalos de corrupção envolvendo a aquisição de vacinas, já que é incalculável o valor de cada uma das mais de 520 mil vidas perdidas para o novo coronavírus. Esse cenário aponta para a banalização da morte no Brasil, como se a vida nada valesse. Esse sentimento, que não é normal, pelo contrário, tornou-se comum.

Casos de corrupção devem ser investigados com afinco e punidos com o rigor da lei, mas a CPI deveria, respeitando a memória daqueles que tombaram diante do SARS-CoV-2, cobrar do governo explicações sobre o genocídio protagonizado por Jair Bolsonaro e seus estafetas de plantão, os quais lhe dedicam nauseante vassalagem. Ultrapassa os limites do inaceitável um processo de imunização tão lento.

Até o depoimento do deputado federal Luís Cláudio Miranda (DEM-DF) e do seu irmão Luís Ricardo, servidor do Ministério da Saúde, a CPI priorizava discussões sobre o negacionismo torpe do presidente da República, a defesa criminosa do tratamento precoce (leia-se cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada) e a tal imunidade de rebanho a partir da infecção pelo novo coronavírus. Quem teve a infelicidade de se deparar com o novo coronavírus sabe o quão irresponsável é a tese de Bolsonaro e seus negacionistas.

 
Dono de discurso populista e beligerante, o presidente Jair Bolsonaro tem se beneficiado com a alteração de rumo da CPI da Covid, em que pese a gravidade das denúncias de corrupção, principalmente a apresentada pelos irmãos Miranda. No regime democrático não se pode compactuar com a corrupção e crimes correlatos, mas, como prega a sabedoria popular, é preciso “dar uma no cravo, outra na ferradura”. Como o pano de fundo da CPI é a corrida presidencial de 2022, exigir do governo uma vacinação célere não rende votos.

De acordo com infectologistas e epidemiologistas, o Brasil precisa vacinar, com duas doses, entre 70% e 75% da população para conseguir conter a circulação do novo coronavírus. Do contrário, o vírus continuará fazendo vítimas com suas variantes, cada vez mais resistentes e perigosas.

O calendário de 2021 já ingressou em sua segunda metade, mas até o momento, reforçamos, pouco mais de 10% da população foi imunizada. Tomando por base a promessa do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de que até o final do corrente ano todos os brasileiros serão vacinados, não é errado concluir que ou estamos diante de falácia monumental ou o governo Bolsonaro descobriu a receita do milagre da multiplicação.

Para que os leitores consigam avaliar a extensão do descaso, 3 milhões de doses da vacina da Janssen (Johnson & Johnson), doadas ao Brasil pelo governo do presidente americano Joe Biden, estão paradas há seis dias no aeroporto de Viracopos, em Campinas, à espera de liberação do Ministério da Saúde. A vacina da Janssen contra Covid-19 exige dose única, ou seja, a pasmaceira do governo federal está impedindo que 3 milhões de brasileiros sejam completamente imunizados.

Enquanto a CPI da Covid se dedica a temas com pouca importância e a aquisição de vacinas continua no terreno do discurso oficial, o brasileiro continua acreditando que em breve a economia será retomada e a vida ingressará na seara do “novo normal”. Sem imunizar três quintos da população é impossível falar em crescimento econômico. Ademais, sem testagem em massa não há como seguir o rastro do novo coronavírus.

A promessa de retomada da economia é da lavra do teórico Paulo Guedes, ainda ministro da Economia, que na última eleição presidencial foi incensado pelo mercado financeiro ao ser apresentado como “Posto Ipiranga”, mas agora submergiu em meio à crise econômica, à falta de vacinas e aos escândalos de corrupção. E suma, Guedes deixou de ser o “queridinho” do mercado.

Com o coronavírus livre para fazer vítimas em todos os rincões nacionais, apenas um desavisado é capaz de acreditar em retomada econômica em um país com vacinação lenta e atrasada, desemprego em alta e dois terços dos brasileiros recebendo menos de dois salários mínimos mensais. Mesmo assim, Bolsonaro crê na reeleição.

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