Chegou a hora da verdade

(*) Carlos Brickmann

Chico Rodrigues, vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, estreou o show, enfiando dinheiro numa saída que ele imaginava ser entrada. Depois apareceu o Queiroz, escondido por um Anjo, advogado dos Bolsonaro. Ele luta para escapar de uns policiais chatos que querem saber por que mexe em rachadinhas e entrega tudo aos cumpanhêro – ops, ele não é petista, dá tudo aos companheiros. Apareceu uma suntuosa mansão, muito bem financiada – sacumé, né, mano? Há histórias de assessores dos Bolsonaros que moravam a centenas de quilômetros de onde deveriam trabalhar. Mas tudo muito bem explicado, tipo enfia tua pergunta no rabo, vou encher sua boca de porrada.

Só que chegou a hora da onça beber água. Na cueca do dinheiro, aparece hoje a marca do batom. Deputado bolsonarista, vendo o irmão sofrer pressão para aprovar gigantescas compras pouco ortodoxas de vacinas idem, a preços espantosamente altos, diz ter feito a denúncia ao presidente. E, por não ter sido ouvido, levou o caso à CPI da Covid. E, como já disse esta coluna, tem gente caindo fora. Se o Agente 000 e seus filhos, os zeros à esquerda, ganham sozinhos, que paguem sozinhos. A ex-esposa do general Pazuello se dispôs a depor; uma das ex-cunhadas de Jair Bolsonaro quer contar tudo, inclusive como ele manipula o jogo das rachadinhas. Incha-se a folha de auxiliares para pegar bom dinheiro ilegal, a maior parte do que ganham os assessores.

Chega: que se discuta a ladroeira do passado, sem esquecer a de hoje.

Sem caminho

A fisiculturista Andréa Cavalcanti colocou no jogo, em lugar de destaque, o presidente da República e o senador Flávio Bolsonaro, o filho 01. Já se fala no Congresso em abrir uma CPI das Rachadinhas. Não é possível: o artigo 86, parágrafo quarto da Constituição, diz que “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Ponto final. Mas o constrangimento existe. E, diz a UOL o especialista em Direito Público Wellington Arruda, “algum assessor já deve ter informado ao presidente que, quando ele deixar o cargo, enfrentará chances reais de prisão”.

Em caso de denúncia formulada na época certa pelo procurador-geral da República, só poderá ser recebida depois de analisada pelo Supremo, com a aprovação de 342 dos 513 deputados federais. Conforme o clima político, até pode ser. Hoje, o procurador-geral da República é Augusto Aras.

Trono instável

O vice-presidente da República, que assume em caso de impeachment do presidente, é tão duro quando Bolsonaro diz que é, embora muito mais bem educado. Seria difícil imaginá-lo tolerando legiões de radicais plantando fake news por conta do Governo Federal. E, mesmo que fosse um fiel seguidor de Olavo de Carvalho (não há essa certeza), não aceitaria em hipótese alguma o que o pensador da Virgínia disse ao presidente Bolsonaro, quando foi cogitado para receber uma condecoração. Não é imaginável que Mourão, general de quatro estrelas com amplo prestígio nas Forças Armadas, sabendo o que é a liturgia do cargo, tendo noção de seu papel, admitisse a grosseria que partiu de Olavo de Carvalho e que Bolsonaro recebeu de bom humor.

Estranhezas

Bolsonaro permitiu a importação de amplo volume de bebidas alcoólicas, foi homenageado com um churrasco no qual a carne custava R$ 1.700,00 o quilo, preparado por um chef de cuisine que viajou especialmente de Belém a Brasília (este colunista, admirador entusiasta da cozinha paraense, jamais tinha ouvido falar da excelência excelsa de seus churrascos). Foi grosseiro sempre que lhe fizeram perguntas educadas sobre esses tipos de assunto – por exemplo, por que o leite condensado comprado em grande quantidade, em concorrência, por ministérios militares, custava mais caro que o vendido no supermercado da esquina. Não quis explicar por que, para inaugurar uma ponte de madeira naquela região que o general Pazuello pensa que é o Amazonas, gastou dez vezes mais com a comitiva do que com a ponte.

Isso fez mal às Forças Armadas? Mourão falará sobre essas esquisitices?

O nome do jogo

Quando o presidente Bolsonaro começou a lotar os Ministérios civis de pessoal militar, vá lá: o marechal Juarez Távora ocupou um Ministério civil no Governo Castello, o coronel Jarbas Passarinho foi ministro do Trabalho e da Educação (e muito mais bem recebido na Educação que seu antecessor civil, Flávio Suplicy de Lacerda), o general Ernesto Geisel foi presidente da Petrobras, o coronel Hygino Corsetti recuperou os Correios. Mas nenhum era Pazuello: todos mostraram competência para desenvolver suas tarefas. A Aeronáutica fez do ITA e da Embraer modelos de desenvolvimento.

A hora

De qualquer forma, é bom nos prepararmos. Os pica-paus já furaram a gaiola e bicam o casco da Nau dos Insensatos. Lá dentro é hora de vale-tudo.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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