Se há na política mercadorias em abundância, a incoerência certamente puxa a fila. Em meio à pandemia do novo coronavírus, que paralisou o planeta e promete repetir a dose com a variante delta, qualquer governante enfrenta dificuldades e pressões de todos os lados, em especial dos que priorizam a economia e deixam a vida em segundo plano. Não se trata de ignorar a necessidade de uma retomada econômica, mas que as decisões nesse campo sejam tomadas com parcimônia e respeitando a ciência.
Governador de São Paulo e pré-candidato à Presidência da República, João Dória Júnior (PSDB) contraiu Covid-19 pela segunda vez. Nas redes sociais e em vídeo divulgado na internet, Dória afirmou que descobriu a nova infecção pelo SARS-CoV-2 ao realizar teste preventivo.
Dizendo-se disposto, o governador paulista, que atribuiu o quadro leve da doença à imunização com a vacina Coronavac, permanecerá em isolamento na própria residência, de onde despachará normalmente. O governador tomou duas doses do imunizante desenvolvido pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzido no Brasil pelo Instituto Butantan
Nos últimos meses, Dória foi pressionado por diversos setores da economia para flexibilizar as regras de combate à Covid e, contrariando recomendações dos especialistas que assessoram o governo, ampliou o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais. No momento em que autoridades da cidade de São Paulo já confirmaram 45 casos de infecção pela variante delta, insistir nessa direção é ignorar o valor da vida. Por razões óbvias o cidadão depende do trabalho para garantir a própria sobrevivência, mas deve-se voltar os olhos para o que vem acontecendo na Europa, onde a variante delta pode obrigar o Velho Mundo a dar passos para trás na seara da pandemia.
A reinfecção do governador João Dória não coloca em xeque a eficácia das vacinas contra Covid-19 disponíveis no Brasil, mas mostra a importância do respeito às regras de proteção e da manutenção do isolamento social, além de rígido controle da pandemia. A baixa testagem no País impede a adoção de medidas enfáticas para conter a circulação do novo coronavírus, pois sem dados concretos “atira-se no escuro”.
Na maior cidade brasileira, São Paulo, as portas de entrada da variante delta são o Aeroporto de Congonhas e o Terminal Rodoviário do Tietê, na zona norte paulistana, onde o controle dos passageiros chegam e partem está aquém do recomendado por especialistas. A exemplo do que vem ocorrendo em vários países europeus, a variante delta, incialmente descoberta na Índia, em breve estará provocando estragos em solo verde-louro.
O futebol e a Covid-19
Longe de qualquer profecia apocalipse, é necessário ser realista diante dos fatos e respeitar a ciência. Prova maior desse cenário é um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) revela que a incidência de infecção pelo novo coronavírus entre os atletas da Federação Paulista de Futebol durante a temporada de 2020 foi de 11,7% – índice equivalente ao de profissionais de saúde que atuam na linha de frente do combate à pandemia.
Para chegar a esse número, os responsáveis pela pesquisa analisaram, de forma retrospectiva, quase 30 mil testes de RT-PCR aplicados em 4.269 atletas ao longo de oito torneios, sendo seis masculinos (Taça Paulista, Sub-23, Sub-20 e as três divisões do Campeonato Paulista) e dois femininos (Campeonato Paulista e Sub-17). Ao todo, 501 exames confirmaram a presença do SARS-CoV-2.
Também foram analisados 2.231 testes feitos em integrantes das equipes de apoio dos clubes (profissionais da saúde, comissão técnica, dirigentes, roupeiros etc.) e 161 deram positivo, ou seja, 7%.
Na Alemanha, que impôs rígidas e longas quarentenas, a retomada das partidas de futebol apontou que índice de contaminação nesse segmento foi de 0,6%.
Aproveitando a pesquisa da USP, a decisão do governo brasileiro de sediar a Copa América, após recusa da Colômbia e da Argentina, que alegaram questões sanitárias, o torneio futebolístico resultou na identificação de dois casos de Covid-19 causados pela variante colombiana, ambos em Cuiabá. Não obstante, a final da Copa América, no estádio do Maracanã, contou com a presença de 7 mil torcedores, sendo que parte recorreu a testes RT-PCR falsos, exigência dos organizadores do evento e da prefeitura do Rio de Janeiro, que considerou o evento um teste.
Após vencer o jogo de ida contra o “Defensa y Justicia”, na quarta-feira (14), o Flamengo conseguiu transferir para Brasília a partida de volta contra o clube argentino, válida pela Copa Libertadores da América. O governo do Distrito Federal publicou decreto autorizando torcida em competições esportivas e o Estádio Mané Garrincha poderá receber até 15 mil torcedores (25% da capacidade da arena) na próxima quarta-feira.
Apostar contra o coronavírus é irresponsabilidade. A vacinação não impede novo contágio pelo SARS-CoV-2, apenas minimiza os sintomas da doença e reduz o número de internações e de mortes. Mesmo assim, as consequências da Covid -19 são difíceis e impedem a tão falada retomada da economia. Enfim…
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