A verdade deve estar no seu devido lugar

 
(*) Waldir Maranhão

O Brasil vive momento político inusitado e preocupante, que ameaça constantemente a democracia e o Estado de Direito. Em artigos anteriores já alertei para esse cenário que desassossega o cidadão.

Impedir o avanço de qualquer movimento golpista é obrigação de todos, mas faz-se necessário estabelecer a verdade, pois os que hoje estão no poder valem-se do passado para justificar o presente.

Ao afirmar que as eleições de 2022 só acontecerão se for implantado o voto impresso, o presidente Jair Bolsonaro provocou imediata reação da sociedade como um todo. No Congresso Nacional, lideranças políticas das mais variadas correntes se manifestaram contra a escalada do autoritarismo.

Nas mãos do Centrão, que hoje está solenemente abrigado no Palácio do Planalto, Bolsonaro responsabilizou o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), pela aprovação do fundo eleitoral, com R$ 5,7 bilhões previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Ramos, por sua vez, não se conteve e partiu para o contra-ataque, sugerindo que, caso assuma interinamente a presidência da Casa, desengavetará ao menos um pedido de impeachment contra Bolsonaro. A questão é saber como e quando o parlamentar assumirá tal função.

Marcelo Ramos alega que o impeachment do presidente da República é possível, mas depende das ruas. No momento em que a variante delta do coronavírus faz estragos mundo afora, condicionar o impeachment a aglomerações é falta de imaginação.

Em entrevista á rádio CBN, Ramos fez um paralelo entre um eventual processo de impedimento contra o atual chefe do Executivo e minha decisão de, enquanto no comando interino da Câmara, revogar a autorização para o início do processe de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, medida posteriormente revertida.

Lembro que as situações, mesmo que aparentemente semelhantes, são ambíguas. Em relação ao caso de Dilma Rousseff, na ocasião dizia-se que o ambiente político era favorável ao processo de impeachment.

A ex-presidente foi acusada de crime de responsabilidade por conta de uma “pedalada fiscal”, algo cometido por alguns dos seus antecessores, sem que o parlamento tivesse agido da mesma forma. Na verdade, os efeitos colaterais do escândalo do Petrolão serviram como mola propulsora para o processo, abrindo caminho para interesses políticos vorazes e escusos de muitos dos protagonistas do imbróglio.

Ao revogar a autorização para que o processo de impeachment de Dilma pudesse tramitar na Câmara, entendi que o momento exigia ponderação, já que o caso envolvendo a Petrobras não tinha qualquer relação com o alegado crime de responsabilidade.

De tal modo, é improcedente a insinuação do deputado Marcelo Ramos, que na entrevista tentou colocar na mesma cacimba um eventual processo de impeachment contra Bolsonaro e o que tirou a petista da Presidência da República.

Considerando que o processo de impedimento contra Dilma Rousseff teve como justificativa acessória os casos envolvendo desmandos no âmbito da Petrobras e outros órgãos estatais, a abertura de processo contra Bolsonaro já deveria ter iniciado, mesmo sendo eu um defensor da ideia de que o Brasil não suportaria novo solavanco político, principalmente em meio à pandemia e uma crise econômica que parece não ter fim.

Faço tal afirmação porque inúmeros crimes de responsabilidade foram cometidos por Jair Bolsonaro, muitos inquestionáveis, além dos cometidos no processo de aquisição de vacinas contra o novo coronavírus. Somam-se a esse quadro inaceitável os mais de 540 mil mortos por Covid-19, boa parte vítima da irresponsabilidade e do populismo do atual governo.

Para conter o ímpeto dos parlamentares que fazem de possível processo de impeachment uma moeda de troca, o presidente entregou a alma do governo ao Centrão, levando o Petrolão à antessala do gabinete presidencial. Lembro que Bolsonaro elegeu-se em 2018 prometendo combate à corrupção e ao que chamou de “velha política”.

Além disso, na última campanha presidencial Bolsonaro tratou de demonizar a esquerda e o PT, aproveitando as reminiscências do Petrolão. O tempo passou e o outro lado da moeda (o verdadeiro) veio a público.

Governar um país com tantas complexidades, mazelas e diferenças não é tarefa simples, reconheço, mas quem aceita o desafio precisa ser responsável e coerente. Contudo, diante da grave crise em que se encontra o país, fazer da Casa Civil um escandaloso balcão de negócios é inimaginável.

Principal pasta do governo, a Casa Civil é responsável por todas as ações ministeriais, o que exige habilidade política. Não se deve confundir com politicagem, que ocupará a cena política para sufocar um processo de impeachment de Jair Bolsonaro, garantindo a conclusão do seu mandato. Em outras palavras, “toma lá, dá cá”, sempre em desfavor da população.

Gostem ou não, o Brasil, nos últimos 45 anos, teve dois destacados chefes da Casa Civil: Golbery do Couto e Silva (governos Ernesto Geisel e João Figueiredo) e José Dirceu de Oliveira e Silva (primeiro governo Lula).

Opiniões contrárias sempre são bem-vindas, mas lembro que não estou a defender a ditadura nem transgressões envolvendo estatais.

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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