(*) Gisele Leite
Estrebucha. Surta. Ataque epiléptico. Eis as reações no debate sobre a liberdade de imprensa e de expressão. As “fake news”, fartamente produzidas pelo famigerado gabinete do ódio, vêm orquestrando uma ode de impropérios e discursos radicais de profunda intolerância.
Enfim, retorna à ribalta a garantia fundamental do direito de opinião e livre expressão. Quase que com tanta intensidade como outrora nos anos de chumbo da ditadura. Enfim, policia-se postagens em redes sociais que potencializam os ânimos na área das manifestações políticas e na repercussão de comentários… Há sujeitos individuais, mas, igualmente, há o uso de robôs.
Na vã tentativa de frear excessos e abusos, surge a atuação do Supremo Tribunal Federal, que instaurou inquérito sui generis e inédito. Pois, também se viu vítima, bem como seus ministros, e instaurando o inquérito, conduzindo-o e nomeando equipe de policiais federais encarregada da investigação, determinando diligências, e mesmo decretando quebra de sigilos, buscas e apreensões, retirada de perfis de redes sociais, adotando as medidas extremas previstas em lei contra as organizações criminosas.
O mote principal para tanto foi a omissão do Ministério Público Federal, que teria deixado de investigar e, ainda, a possibilidade positivada no artigo 43, do Regimento Interno do STF, que permite ao presidente instaurar o inquérito quando se tratar de infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal.
Lembremos que os inquéritos não são meros procedimentos preparatórios e possuem amplo espectro capaz de cercear liberdades e esferas jurídicas. É por essa razão que a lei processual penal brasileira regulamenta com rigor os inquéritos.
O artigo 4º. do Código de Processo Penal diz que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e, terá de pôr fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. É altamente questionável um magistrado instaurar um inquérito, bem como um magistrado dirigir as investigações comandando a polícia.
Quem controlará os atos desse magistrado, ainda mais em se tratando de ministro da mais alta corte? Também o Código de Processo Penal diz, no parágrafo 1º. do artigo 5º., que o requerimento da autoridade do Judiciário ou do MP que requisitar à polícia a instauração do inquérito descreverá, sempre que possível: a narração do fato, com todas as circunstâncias, a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer.
Convém frisar, também, que o inquérito tem que ter objeto específico. Lembremos que tudo começou em razão de ataques ao Presidente da Suprema Corte e, passou pela reportagem da Revista Crusoé e, depois, se transformou numa investigação a respeito de postagens em redes sociais. Enfim, o inquérito redundou em ser um oceano de processos com farto volume de documentos e, já se contabiliza mais de dez mil páginas.
Novamente, sublinhe-se que o inquérito tem tempo de duração e, assim, o artigo 10 do CPP estabelece que deverá terminar em dez dias se o indiciado tiver preso em flagrante delito ou, no prazo de trinta dias, se estiver solto, mediante fiança ou sem esta.
E o referido inquérito se arrasta há mais de um ano e, ainda obteve a prorrogação por cento e oitenta dias.
A propósito do tema, o STF já se manifestou sobre o inquérito 4419 e, segundo a verve do decano Ministro Gilmar Mendes, in litteris: “Portanto, entender que apenas o Ministério Público possui a prerrogativa de determinar o arquivamento de uma investigação e que o investigado pode se submeter, indefinidamente, a um inquérito destituído de qualquer base empírica e legal ignora os princípios da separação de poderes e do Estado de Direito, além de menosprezar os direitos fundamentais do investigado diretamente relacionados à dignidade da pessoa humana, bem como a função de garantidor desses direitos, que deve ser exercida pelo Poder Judiciário.”.
O outro busilis insondável é o sigilo, desde o início foi decretado e, até agora os advogados dos investigados, que já foram individualizados, tiveram acesso apenas a um dos volumes do inquérito, que já conta com 70 (setenta) apensos, que tem cerca de quatrocentas páginas, mas o total do inquérito já contabiliza fácil dez mil páginas.
Afinal, em prol da defesa deve-se garantir o acesso amplo e a justificativa do Judiciário não se sustenta, justamente pelo largo tempo que dura esse inquérito.
Enfim, razão tinha o Ministro Marco Aurélio que o alcunho de “inquérito do fim do mundo” porque aquilo que outrora era sagrado no devido processo legal, a iniciativa para investigar, acusar, e a atuação equidistante e imparcial do Judiciário, bem como a observância de objeto de investigação delimitado, tempo de duração do inquérito e permissão de acesso amplo por parte da defesa aos documentos da investigação, está sendo violado explicitamente. E, tais fatos não são úteis para a frágil democracia brasileira.
A decisão do Ministro Alexandre de Moraes que atendeu ao pedido aprovado por unanimidade pelos Ministros do TSE, em 2.8.2021 o atual Presidente da República é incluído no inquérito das “fake news”.
A investigação terá que considerar os ataques, sem provas, feitos pelo atual Presidente às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral brasileiro. O engraçado é que mesmo após ter sido eleito, o Presidente insiste no último triênio declarações colocando em dúvida a lisura de todo processo eleitoral.
Em sua decisão, o Ministro Moraes apontou onze crimes que, em tese, foram cometidos por Bolsonaro em repetidos ataques às urnas e ao sistema eleitoral, a saber: calúnia (art. 138 do Código Penal); difamação (art. 139); injúria (art. 140); incitação ao crime (art. 286); apologia ao crime ou criminoso (art. 287); associação criminosa (art. 288); denunciação caluniosa (art. 339); tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito (art. 17 da Lei de Segurança Nacional); fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (art. 22, I, da Lei de Segurança Nacional); incitar à subversão da ordem política ou social (art. 23, I, da Lei de Segurança Nacional); dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral (art. 326-A do Código Eleitoral).
O Ministro Moraes ainda concedeu cinco dias como prazo para que a Procuradoria-Geral da República se manifeste e, também requereu que sejam colhidos os depoimentos, seja na condição de testemunhas, de cinco pessoas que participaram com Bolsonaro na live, entre estas, o Ministro da Justiça, Anderson Torres e o coronel Eduardo Gomes da Silva, assessor da Casa Civil.
(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.
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